Novos estudos reforçam tese de que Covid-19 se originou em mercado de Wuhan

Cientistas falam em "evidências convincentes" de que o centro de comércio de frutos do mar e vida selvagem seja o epicentro da doença

O primeiro surto de Covid-19 foi ligado ao Huanan, um mercado de frutos do mar e vida selvagem em Wuhan, na China, onde animais são mantidos vivos, criando um potencial cenário de transmissão do vírus para seres humanos. Agora, dois estudos recém-publicados concluíram que o local foi provavelmente o epicentro do coronavírus, que matou desde 2019 pelo menos 6,39 milhões de pessoas, segundo dados do Our World in Data. As informações são da rede CNN.

O anúncio vem na esteira de um pedido feito pela OMS (Organização Mundial da Saúde) em junho, que recomendou aos cientistas para que dessem seguimento às investigações de todas as possíveis origens da pandemia, incluindo a hipótese de ela ter sido criada ou vazada de um laboratório, tese inicialmente descartada, em fevereiro de 2021.

Os trabalhos, que têm abordagens distintas, já haviam sido divulgados de forma online como preprints (pré-publicação de projeto de um artigo científico ainda não publicado) em fevereiro. Recentemente, passaram por revisão feita por pares e foram publicados na terça-feira (26) na revista Science.

Huanan, mercado de frutos do mar e vida selvagem em Wuhan (Foto: WikiCommons)

O primeiro deles, resultado de um esforço conjunto entre cientistas de todo o mundo, usou ferramentas de mapeamento e relatos de redes sociais para fazer uma análise espacial e ambiental do mercado e seus arredores. Os contornos geográficos revelaram que um grande percentual de infectados iniciais não necessariamente frequentava o Huanan, mas morava perto, o que corrobora a desconfiança inicial de o local ter sido o epicentro.

Embora este mesmo estudo seja categórico ao afirmar que as “circunstâncias exatas permanecem obscuras”, ele aponta que o vírus possivelmente estava presente em seres vivos vendidos no mercado no final de 2019, que lida com produtos congelados e venda de animais selvagens domesticados, então mantidos próximos e que poderiam “facilmente ter trocado germes”. O estudo não especificou quais deles teriam ficado doentes.

“Todos os oito casos de Covid-19 detectados antes de 20 de dezembro eram do lado oeste do mercado, onde também eram vendidas espécies de mamíferos”, diz o estudo, que indica que o prenúncio dos casos entre humanos tem relação com a proximidade de cinco barracas que vendiam animais vivos ou recém-abatidos. Segundo os cientistas, portanto, há evidências de que o Sars-Cov-2 estava presente em mamíferos mantidos vivos no local.

“Esta é uma indicação de que o vírus começou a se espalhar em pessoas que trabalhavam no mercado, e depois começou a se disseminar”, disse o coautor do estudo Michael Worobey, chefe do departamento de Ecologia e Biologia Evolutiva da Universidade do Arizona.

Vazamento refutado

Já o segundo estudo usou como método a coleta de informações genéticas para buscar uma compreensão da cronologia do surto. A abordagem molecular determinou quando as primeiras infecções por coronavírus teriam passado de animais para humanos.

“Essas descobertas indicam que é improvável que o Sars-CoV-2 tenha circulado amplamente em humanos antes de novembro de 2019 e definem a estreita janela entre quando o vírus saltou pela primeira vez para os humanos e quando os primeiros casos de Covid-19 foram relatados”, diz o estudo. “Tal como acontece com outros coronavírus, o surgimento do Sars-CoV-2 provavelmente resultou de vários eventos zoonóticos”.

Segundo o coautor do estudo, Kristian Andersen, professor do Departamento de Imunologia e Microbiologia da Scripps Research, os estudos “não refutam definitivamente a teoria do vazamento de laboratório”, mas são bastante “convincentes”. Tanto que as evidências fizeram ele mudar de ideia sobre as origens do vírus.

“Eu mesmo estava bastante convencido do vazamento do laboratório, até que mergulhamos nisso com muito cuidado e analisamos muito mais de perto”, disse Andersen. “Com base em dados e análises que fiz na última década em muitos outros vírus, me convenci de que, na verdade, os dados apontam para esse mercado específico”.

Prevenção de eventos futuros

Identificar exatamente qual animal pode ter sido infectado pela primeira vez e como isso ocorreu é uma peça fundamental do quebra-cabeças que ajudaria a proteger a humanidade de futuras ameaças pandêmicas, segundo os pesquisadores.

“Os ingredientes brutos de um vírus zoonótico com potencial pandêmico ainda estão à espreita na natureza”, disse Joel Wertheim, professor de medicina da Universidade da Califórnia e coautor da tese. Para o cientista, autoridades ao redor do planeta precisam fazer um trabalho muito melhor na vigilância e monitoramento de animais, bem como de outras potenciais ameaças à saúde pública.

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