Operação antidrogas na Tailândia encontra bens da família do chefe da junta de Mianmar

Polícia tailandesa encontrou ativos dos filhos do general Min Aung Hlaing durante operação contra um magnata acusado de tráfico

Em setembro do ano passado, autoridades tailandesas invadiram a residência de um magnata de Mianmar em Bangkok, acusado de tráfico de drogas e lavagem de dinheiro. Só agora, um documento oficial que está em poder da Justiça birmanesa revelou que, durante a operação, a polícia da Tailândia descobriu no local da batida bens pertencentes aos filhos adultos do chefe da junta militar, Min Aung Hlaing, general responsável por comandar o golpe de Estado em Mianmar há dois anos. As informações são da agência Reuters.

Entre os itens confiscados durante as buscas na residência de Tun Min Latt estão cadernetas bancárias e o título de propriedade de um condomínio de luxo pertencente à filha e ao filho de Hlaing.

Na ocasião, Latt, de 53 anos, juntamente de três de seus associados, foi levado sob custódia. Mais de 200 milhões de baht (R$ 30,7 milhões) em drogas e outros itens foram apreendidos. Além disso, a polícia confiscou US$ 8,96 milhões (R$ 45,5 milhões) em ativos como carros de luxo, relógios e bolsas caras, junto com US$ 239 mil (R$ 1,2 milhão) em dinheiro.

Min Aung Hlaing, general que lidera a junta no poder em Mianmar (Foto: Wikimedia Commons)

O acusado, que está em prisão preventiva, é apontado como um colaborador próximo de Hlaing. Ele dirige o grupo Star Sapphire, que intermediou importações de drones de reconhecimento israelenses e peças de aeronaves para a força aérea de Mianmar, segundo reportagem do portal BOL News.

O Star Sapphire é parceiro de dois conglomerados empresariais de propriedade militar: o Myanmar Economic Holdings Ltd (MEHL) e o Myanmar Economic Corporation (MEC). Além de traficar armas, Latt tem participações em hotéis, energia e mineração.

Os filhos de Hlaing, Aung Pyae Sone e Khin Thiri Thet Mon, todos sancionados por Estados Unidos e Canadá, não tiveram seus bens apreendidos pelas autoridades tailandesas, apesar das evidências que os ligam às supostas atividades criminosas de Latt. Washington acusa Aung e Khin de se “beneficiarem diretamente da posição e da influência maligna do pai”.

Um porta-voz do grupo ativista Justice for Myanmar disse que, enquanto a junta continua realizando sua campanha de terror contra o povo de Mianmar, as famílias dos militares estão escondendo seus bens roubados no exterior. “Eles se beneficiam do genocídio militar, crimes de guerra e crimes contra a humanidade”, declarou Yadanar Maung.

Maung instou o governo tailandês a tomar “medidas urgentes para evitar que o país se torne um refúgio seguro para criminosos de guerra de Mianmar” e que apreenda “os bens de Aung Pyae Sone e Khin Thiri Thet Mon”, bem como conduza uma investigação para saber se eles “se beneficiaram com o produto do crime” e impeça que “membros da junta, suas famílias e facilitadores, acessem bancos tailandeses e comprem ativos na Tailândia”.

Por que isso importa?

Mianmar enfrenta “uma campanha de terror com força brutal”, segundo palavras da ONU (Organização das Nações Unidas). A repressão imposta pelo governo militar, uma reação às eleições presidenciais de novembro de 2020, já causou a morte de mais de 2,7 mil pessoas desde o golpe de 1º de fevereiro de 2021, segundo a ONG Associação de Assistência aos Prisioneiros Políticos (AAPP).

Na ocasião, o partido NLD (Liga Nacional pela Democracia, da sigla em inglês) venceu as eleições com 82% dos votos, ainda mais do que havia obtido no pleito de 2015. Em fevereiro, então, a junta militar, que já havia impedido o partido de assumir o poder antes, derrubou e prendeu a líder democrática Aung San Suu Kyi, que posteriormente foi julgada e sentenciada a 33 anos de prisão.

O golpe deu início a protestos no país, respondidos com violência pelas forças de segurança nacionais. A AAPP afirma que mais de 17 mil pessoas já foram presas, invariavelmente sem indiciamento ou julgamento, e muitas famílias continuam à procura de parentes desaparecidos. Jornalistas e ativistas são atacados deliberadamente, e serviços de internet têm sido interrompidos.

A violência dos militares levou ao isolamento global de Mianmar, e em dezembro de 2022 o Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução histórica que insta a junta a libertar Suu Kyi. A Resolução 2669 ainda exige “o fim imediato de todas as formas de violência” e pede que “todas as partes respeitem os direitos humanos, as liberdades fundamentais e o estado de direito”.

A proposta, feita pelo Reino Unido, foi aprovada no dia 21 de dezembro de 2021 com 12 votos a favor. Os membros permanentes ChinaRússia se abstiveram, optando por não exercer vetos. A Índia também se absteve.

Beijing e Moscou, por sinal, estão entre os poucos governos do mundo que mantêm relações formais com Mianmar. Inicialmente, o golpe foi recebido com reprovação pela China, que vinha dialogando para firmar acordos comerciais com o governo eleito e perdeu bastante com a derrubada. Mas o cenário mudou desde então.

O governo chinês frequentemente se coloca ao lado da junta ao vetar resoluções que condenam a brutalidade dos atos contra opositores e a população civil em geral. A posição ficou evidente mais uma vez em dezembro, embora a China tenha optado por não vetar a resolução.

A China é um também dos principais fornecedores de armas para a juntar militar, desrespeitando um pedido de embargo global feito pela ONU para enfraquecer o regime birmanês. Entretanto, há indícios de que as forças locais seguem se equipando com novos armamentos chineses, bem tendo ainda como fornecedores complementares a Rússia e o Paquistão.

No dia 15 de dezembro, durante uma celebração do 75º aniversário da força aérea de Mianmar, líderes da junta apresentaram novos caças e helicópteros de ataque comprados desses três países. Entre os destaques, os sofisticados caças Sukhoi Su-30, de Moscou, e jatos FTC-2000G, de Beijing, comprados após o golpe e usados nos ataques aéreos em andamento do regime contra civis e forças de resistência que lutam ao lado de grupos étnicos armados em todo o país.

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