Seul viveu momentos de tensão política e social nesta terça-feira (2), quando o presidente Yoon Suk-yeol decretou lei marcial, medida que gerou imediata reação da oposição, manifestantes e até mesmo de membros de seu próprio partido. A decisão, que ocorreu pela primeira vez no país desde 1980, foi justificada como necessária para combater forças “anti-Estado” e reacendeu memórias de um passado autoritário no país. As informações são da Associated Press.
A lei marcial, prevista na constituição sul-coreana para emergências extremas, como guerras ou crises de segurança nacional, foi imediatamente contestada por sua legitimidade. “Estamos longe de qualquer estado de emergência que justifique tal medida”, afirmou Lee Jae-myung, líder do Partido Democrata, que possui a maioria no parlamento.
Menos de três horas após o anúncio, o parlamento votou unanimemente pela revogação da medida, com 190 legisladores presentes. O presidente da Assembleia Nacional, Woo Won-shik, declarou a lei marcial “inválida” e pediu a retirada de policiais e militares que cercavam o edifício. Apesar dos esforços, os militares conseguiram entrar no prédio, com registros de alguns deles utilizando bombas de gás durante a ação.
Enquanto os parlamentares deliberavam, centenas de manifestantes se reuniram em frente à Assembleia Nacional, exigindo o impeachment do presidente. Faixas e gritos ecoaram pedindo a proteção da democracia, enquanto helicópteros militares sobrevoavam a área.
Sob lei marcial, direitos fundamentais, como liberdade de imprensa e reunião, podem ser suspensos, e ordens militares assumem precedência sobre o governo civil. Os militares determinaram que os médicos em greve no país retomassem suas atividades dentro de 48 horas, segundo informações da agência Yonhap.
A paralisação, que já dura meses, envolve milhares de profissionais que protestam contra os planos do governo de aumentar o número de vagas nas faculdades de medicina. As autoridades advertiram que aqueles que desobedecessem à ordem poderiam ser detidos sem necessidade de mandado.
A justificativa de Yoon para implementar a medida, no entanto, foi considerada insuficiente até mesmo dentro de seu Partido do Poder Popular. Han Dong-hoon, figura de destaque na legenda, classificou a medida como “equivocada” e prometeu trabalhar com a população para anulá-la.
Especialistas políticos veem a decisão como um movimento arriscado e potencialmente danoso à reputação de Yoon, que já enfrenta baixa popularidade desde sua vitória apertada na eleição presidencial de 2022. “Esta foi uma tentativa perigosa de centralizar poder. A democracia sul-coreana mostrou sua força ao resistir”, analisou o professor Kim Hye-jin, da Universidade Nacional de Seul.
A Coreia do Sul, reconhecida por seu progresso democrático desde os anos 1980, agora se vê diante de um teste de fogo para a solidez de suas instituições. O incidente expõe as crescentes tensões entre o governo conservador de Yoon e a oposição progressista, com implicações que podem afetar desde políticas internas até as relações internacionais do país.
A Casa Branca, em comunicado, expressou “séria preocupação” com os desdobramentos e confirmou que não foi previamente informada sobre o decreto de Yoon. “Estamos em contato com as autoridades sul-coreanas para entender a situação”, declarou um porta-voz do Conselho de Segurança Nacional dos EUA.
O decreto
A Reuters traduziu o decreto militar:
“Para proteger a democracia liberal contra a ameaça de derrubada do regime da República da Coreia por forças anti-Estado ativas dentro do país e para garantir a segurança do povo, declara-se o seguinte em todo o território da República da Coreia a partir das 23h do dia 3 de dezembro de 2024:
- Todas as atividades políticas, incluindo as da Assembleia Nacional, conselhos locais, partidos políticos, associações políticas, manifestações e protestos, estão proibidas.
- Estão proibidos todos os atos que neguem ou tentem derrubar o sistema democrático liberal, bem como a disseminação de notícias falsas, manipulação da opinião pública e propaganda falsa.
- Todos os meios de comunicação e publicações estarão sob controle do Comando da Lei Marcial.
- Greves, paralisações e protestos que incitem o caos social estão proibidos.
- Todo o pessoal médico, incluindo médicos em treinamento, que esteja em greve ou tenha deixado o setor médico deve retornar ao trabalho dentro de 48 horas e exercer suas funções de forma fiel. Aqueles que violarem esta regra serão punidos de acordo com a lei marcial.
- Cidadãos comuns inocentes, com exceção de forças anti-Estado e outros elementos subversivos, estarão sujeitos a medidas para minimizar os transtornos em suas vidas diárias.
Os que violarem esta proclamação poderão ser presos, detidos e revistados sem mandado, de acordo com o artigo 9 da lei marcial da República da Coreia, e serão punidos de acordo com o artigo 14 da mesma lei (penalidades).
Comandante da lei marcial, general do Exército Park An-su, terça-feira, 3 de dezembro de 2024.”