A chegada do Taleban ao poder em Cabul, em agosto de 2021, foi saudada pelo então primeiro-ministro paquistanês, Imran Khan, como um momento de libertação, declarando que o grupo afegão havia “quebrado as correntes da escravidão”. A declaração marcou o início de uma nova era para a influência regional do Paquistão, que, há décadas, utiliza o grupo radical afegão como peça-chave em sua busca por “profundidade estratégica”. No entanto, três anos depois, esse cálculo parece ter saído pela culatra, com os talibãs se aproximando de um parceiro improvável: a Índia. As informações são da rede Al Jazeera.
Na semana passada, o secretário de Relações Exteriores da Índia, Vikram Misri, encontrou-se com o ministro interino de Relações Exteriores do Afeganistão, Amir Khan Muttaqi, em Dubai. Foi o encontro de mais alto nível entre os dois países desde que o Taleban retomou o poder. Esse avanço segue uma série de medidas que mostram uma ruptura dramática com décadas de desconfiança entre Índia e Taleban, enraizadas no apoio histórico do Paquistão ao grupo afegão.
A crescente aproximação entre Índia e Afeganistão levanta preocupações em Islamabad, que enfrenta um período de violência interna e crescentes tensões com o governo talibã. Segundo Iftikhar Firdous, cofundador do portal The Khorasan Diary, que monitora questões de segurança regional, essa disputa pode sobrecarregar ainda mais os afegãos, que dependem das fronteiras paquistanesas.
“No fim das contas, o povo afegão, que depende das fronteiras do Paquistão, sofrerá o peso dessa disputa”, afirmou Firdous.

Rivalidade histórica ganha novos contornos
Durante décadas, o Paquistão foi o principal apoiador do Taleban, oferecendo refúgio a seus líderes e apoiando sua insurgência. Em contrapartida, a Índia via o grupo como um instrumento de influência paquistanesa e culpava o Taleban por ataques contra suas missões diplomáticas no Afeganistão. Contudo, as relações entre os três países mudaram significativamente.
O Paquistão, que enfrenta seu ano mais violento desde 2016, acusa o Taleban de abrigar o grupo armado Tehrik-e Taliban Pakistan (TTP), popularmente conhecido como Taleban do Paquistão e responsável por mais de 600 ataques em 2024. A resposta de Islamabad incluiu ataques aéreos em território afegão, agravando ainda mais as relações. Por outro lado, a Índia reconfigurou sua abordagem, intensificando o diálogo diplomático com autoridades talibãs.
A nomeação de Ikramuddin Kamil como enviado do Taleban a Nova Délhi e os encontros recentes entre representantes dos dois países sinalizam uma abertura para parcerias econômicas e políticas. O Ministério das Relações Exteriores afegão descreveu a Índia como um “parceiro regional e econômico significativo”.
Comércio e geopolítica
Apesar da reaproximação entre Índia e Afeganistão, analistas paquistaneses minimizam a preocupação imediata. Asif Durrani, ex-representante especial do Paquistão no Afeganistão, acredita que os laços entre Islamabad e Cabul permanecem profundos. “Ambos os países são soberanos e livres para forjar relações. O Paquistão pode não se opor, desde que esses laços não prejudiquem seus interesses”, disse.
Contudo, a geografia permanece um ponto crítico. O comércio afegão depende principalmente das rotas terrestres paquistanesas, mas a cooperação com a Índia na utilização do porto de Chabahar, no Irã, pode mudar esse cenário. Essa alternativa permitiria ao Afeganistão contornar o Paquistão, ampliando suas opções comerciais.
O porto de Chabahar está localizado na província de Sistão-Baluchistão, no Irã, próximo à fronteira com o Paquistão. A região é historicamente marcada por conflitos separatistas, com Islamabad acusando Nova Délhi de apoiar movimentos insurgentes locais. A captura de Kulbhushan Yadav, que o Paquistão alega ser um espião indiano, reforça essa narrativa.
Um futuro incerto
Enquanto o Taleban e a Índia discutem novas oportunidades comerciais, o Paquistão busca maneiras de reparar suas relações com o governo afegão. O recente retorno de Mohammad Sadiq como representante especial é visto como uma tentativa de Islamabad de reverter o clima de tensão.
Entretanto, Firdous alerta para os riscos de uma maior integração entre Índia e Afeganistão: “Referências ao porto de Chabahar e seu papel no comércio indo-afegão serão vistas pelo Paquistão como uma intervenção.”
A reconfiguração dessas alianças pode definir os rumos estratégicos do sul da Ásia, com o Afeganistão emergindo como um campo de disputa entre velhos e novos parceiros.