ONG denuncia agressões, estupros e mortes na fronteira entre Polônia e Belarus

Abusos contra migrantes de Ásia, Oriente Médio e África contrasta com tratamento cordial dedicado aos ucranianos

A crise na fronteira entre Polônia e Belarus, que teve início no ano passado, não terminou. Relatório publicado nesta semana pela ONG Human Rights Watch (HRW) indica que os abusos contra migrantes que tentam ingressar na União Europeia (UE) continuam, com muitos relatos de pessoas forçadas pelos poloneses a retornar a Belarus, onde são vítimas de abusos diversos, como agressão e estupro. Em maio deste ano foram registradas ao menos duas mortes.

“É inaceitável que um país da UE esteja forçando as pessoas, muitas fugindo da guerra e da opressão, de volta ao que só pode ser descrito como condições infernais em Belarus”, disse Lydia Gall, pesquisadora sênior de Europa e Ásia Central da HRW. “As rejeições ilegais de migrantes para Belarus e os abusos subsequentes que eles enfrentam lá contrastam fortemente com a política de portas abertas da Polônia para pessoas que fogem da guerra na Ucrânia”.

As vítimas são migrantes provenientes de países como Iraque, Síria, Irã, Iêmen, Afeganistão e Cuba que tentam ingressar na Polônia, obter asilo e assim construir uma nova vida no continente europeu. A ONG constatou os abusos com base em entrevistas com deslocados, ativistas e até representantes de dois guardas de fronteira.

Forças de segurança da Polônia na fronteira com Belarus em meio ao fluxo de imigrantes que tentam ingressar na UE (Foto: reprodução/twitter.com/ajplus)

A principal denúncia contra a Polônia refere-se a casos de migrantes que foram obrigados a retornar ao território belarusso, mesmo tendo solicitado asilo. Os próprios guardas de fronteira dizem ter agido assim como base em uma lei de outubro de 2021 que lhes concede tal prerrogativa. Não há qualquer processo formal, as pessoas são simplesmente forçadas a saltar a cerca de arame farpado que separa os dois países e, assim, retornar a Belarus, onde a violência os aguarda.

“Quando os guardas de fronteira chegaram, pedimos asilo e mostramos a eles papéis onde escrevemos ‘asilo’ em polonês e inglês”, disse um curdo de 23 anos proveniente do Iraque. “Eles nos disseram ‘você não precisa desses papéis’ e os jogaram fora”.

Um iemenita que chegou à fronteira pelo lado de Belarus conta que ele e mais três pessoas foram forçadas a permanecer por cerca de uma hora em pé em um rio com água a temperatura baixíssima. Ridicularizados pelos soldados belarussos e com armas apontadas para eles, tiveram que nadar até a outra margem, onde fica a Lituânia. Segundo o homem, um dos migrantes se afogou, enquanto outro desapareceu levado pelas águas.

A condição oferecida aos deslocados que chegam por Belarus, geralmente cidadãos de países da Ásia, do Oriente Médio de da África, é totalmente diversa daquela enfrentada pelos ucranianos em outra zona de fronteira da Polônia, onde mais de três milhões de deslocados pela guerra foram bem recebidos desde o início do conflito, em 24 de fevereiro.

“Para evitar mais mortes, abusos e sofrimento, as autoridades polonesas devem parar imediatamente com os envios de volta a Belarus”, disse Gall. “O acesso ao sistema de asilo na Polônia não deve depender da cor da pele, nacionalidade ou religião de uma pessoa.”

Mesmo o trabalho dos ativistas que prestam assistência aos migrantes tem sido dificultado pelas autoridades. Ao menos quatro pessoas foram processadas por organizar imigração ilegal, que pode render até oito anos de prisão. Em setembro do ano passado, as entidades humanitárias foram definitivamente banidas da área de fronteira, bem como jornalistas e observadores independentes.

Agressões e estupros

No território belarusso, os migrantes são geralmente acomodados em condições degradantes no campo de Bruzgi, onde há denúncias de estupros e agressões. “Ramzah”, um curdo de 23 anos do Iraque, disse que as pessoas lá dormem em paletes de madeira, não há aquecimento ou eletricidade e as autoridades fornecem apenas uma refeição por dia, composta por biscoitos. Pessoa que estiveram lá, bem como uma advogada, relataram casos de estupro e assédio sexual contra mulheres e meninas.

Ramzah conta que testemunhou um caso de violência sexual em um banheiro, “Quando foi a vez das mulheres tomarem banho, os guardas de fronteira e a polícia entraram para observá-las. Eu vi isso uma vez, mas não sei se mais alguma coisa dentro da barraca aconteceu com as mulheres e meninas”, disse.

Ola Chrzanowska, advogada polonesa de direitos humanos, descreveu outro caso de violência sexual em Bruzgi, contra uma cliente que mais tarde chegou à Polônia. A mulher, de 35 anos e com cidadania iraquiana, e a filha, de 16 anos, foram levadas por guardas de fronteira belarussos para um porão. Ao menos dois homens estupraram a mulher na frente da filha.

Diante das evidência colhidas, a HRW insta as autoridades polonesas a “evitar mais mortes e sofrimento” e “garantir o acesso ao procedimento de asilo”. E afirma que Polônia e Belarus “devem interromper imediatamente” o “pingue-pongue”, “investigar os abusos e responsabilizar os autores”.

Diz a ONG: “A gravidade dos abusos cometidos por guardas fronteiriços de Belarus constitui tratamento cruel e desumano ou degradante e pode constituir tortura, em violação das obrigações de Belarus nos tratados internacionais”.

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