Um vídeo divulgado no final da última semana mostra que o presidente da França, Emmanuel Macron, fez uma última tentativa de convencer o homólogo russo Vladimir Putin a desistir de invadir a Ucrânia. O ataque ocorreu quatro dias após o episódio, que é parte de um documentário produzido pela emissora francesa France 2 e intitulado Un Président, l’Europe et la guerre (Um Presidente, a Europa e a Guerra, em tradução literal). As informações são do site Business Insider.
O assunto central da conversa foi a tensão no leste da Ucrânia, que mais tarde serviria de pretexto para Moscou atacar. Mais especificamente, os presidentes travaram um debate sobre o Acordo de Minsk, que foi assinado em 2014 por Kiev, Moscou e as Repúblicas Populares de Donetsk e Luhansk, estabelecendo um cessar-fogo na região separatista. O diálogo foi transcrito na íntegra pelo jornal suíço Le Temps.
Primeiro, Putin afirma que Macron sugere uma revisão do Acordo, o que o francês prontamente nega: “Vladimir, em primeiro lugar, nunca disse que o Acordo de Minsk tinha de ser revisto. Eu nunca disse isso, nem em Berlim, nem em Kiev, nem em Paris. Eu disse que ele tinha que ser aplicado, que as coisas tinham que ser respeitadas, e eu não tenho a mesma leitura que você dos últimos dias”.
Macron, então, contesta o fato de que as discussões para implementação do Acordo se baseiem em sugestões que partem dos separatistas, e não do governo ucraniano eleito. Com certa dose de ironia, ele crítica a posição de Putin: “Então, eu não sei onde seu advogado aprendeu a lei. Eu apenas olho os textos e tento aplicá-los. E não sei que jurista poderá dizer que num país soberano os textos das leis são propostos por grupos separatistas e não pelas autoridades democraticamente eleitas”.
A resposta vem em tom firme, com Putin contestando a legitimidade do governo eleito na Ucrânia. “Este não é um governo democraticamente eleito. Eles chegaram ao poder em um golpe, houve pessoas queimadas vivas, foi um banho de sangue, e Zelensky é um dos responsáveis”.
Preparos para a invasão
Perto do final da conversa, o debate migra para os exercícios militares que as forças armadas russas então realizavam perto da fronteira. “Se queremos dar uma chance ao diálogo, temos que acalmar as coisas na região. Como você vê a evolução dos exercícios militares?”, pergunta Macron. Putin responde que “os exercícios estão decorrendo de acordo com o plano”. Depois, diz que “definitivamente deixaremos uma presença militar na fronteira até que a situação em Donbass se acalme”.
Como última tentativa de buscar um acordo pacífico, Macron propõe “uma reunião nos próximos dias em Genebra entre você e o presidente Biden”. O francês prossegue: “O presidente Biden também refletiu sobre maneiras de desescalar a situação com credibilidade, levar em consideração suas demandas e abordar com muita clareza a questão da Otan e da Ucrânia”.
Putin deixou claro seu desconforto com a ideia do encontro, que nunca ocorreu. Dali em diante, a tensão escalou. Um dia depois da conversa entre o francês e o russo, Moscou aumentou sua presença militar na fronteira, o que deixou clara a intenção de atacar. Argumentou que em algumas regiões ucranianas vinha ocorrendo um “genocídio” de falantes de russo e usou esse argumento para “desnazificar” o país vizinho. Atacou em 24 de fevereiro, quatro dias após conversar com o presidente francês.
Por que isso importa?
A escalada de tensão entre Rússia e Ucrânia, que culminou com a efetiva invasão russa, remete à anexação da Crimeia pelos russos, em 2014, e à guerra em Donbass, que começou naquele mesmo ano. Aquele conflito foi usado por Vladimir Putin como argumento para justificar a invasão integral, classificada por ele como uma “operação militar especial”.
“Tomei a decisão de uma operação militar especial”, disse Putin pouco depois das 6h de Moscou (0h de Brasília) de 24 de fevereiro. Cerca de 30 minutos depois, as primeira explosões foram ouvidas em Kiev, capital ucraniana, e logo em seguida em Mariupol, no leste do país.
No início da ofensiva, o objetivo das forças russas era dominar Kiev, alvo de constantes bombardeios. Entretanto, diante da inesperada resistência ucraniana, a Rússia foi forçada a mudar sua estratégia. As tropas, então, começaram a se afastar de Kiev e a se concentrar mais no leste ucraniano, a fim de tentar assumir definitivamente o controle de Donbass e de outros locais estratégicos naquela região.
Em meio ao conflito, o governo da Ucrânia e as nações ocidentais passaram a acusar Moscou de atacar inclusive alvos civis, como hospitais e escolas, dando início a investigações de crimes de guerra ou contra a humanidade cometidos pelos soldados do Kremlin.
O episódio que mais pesou para as acusações foi o massacre de Bucha, cidade ucraniana em cujas ruas foram encontrados dezenas de corpos após a retirada do exército russo. As imagens dos mortos foram divulgadas pela primeira vez no dia 2 de abril, por agências de notícias, e chocaram o mundo.
O jornal The New York Times realizou uma investigação com base em imagens de satélite e associou as mortes em Bucha a tropas russas. As fotos mostram objetos de tamanho compatível com um corpo humano na rua Yablonska, entre 9 e 11 de março. Eles estão exatamente nas mesmas posições em que foram descobertos os corpos quando da chegada das tropas ucranianas, conforme vídeo feito por um residente da cidade em 1º de abril.
Fora do campo de batalha, a Rússia tem sido alvo de todo tipo de sanções. As esperadas punições financeiras impostas pelas principais potencias globais já começaram a sufocar a economia russa, e o país tem se tornado um pária global. Desde a invasão da Ucrânia, em 24 de fevereiro, quase mil empresas ocidentais deixaram de operar na Rússia, seja de maneira temporária ou definitiva, parcial ou integral.
Os mortos de Putin
Desde que assumiu o poder na Rússia, em 1999, o presidente Vladimir Putin esteve envolvido, direta ou indiretamente, ou é forte suspeito de ter relação com inúmeros eventos, que levaram a dezenas de milhares de mortes. A lista de vítimas do líder russo tem soldados, civis, dissidentes e até crianças. E vai aumentar bastante com a guerra que ele provocou na Ucrânia.
Na conta dos mortos de Putin entram a guerra devastadora na região do Cáucaso, ações fatais de suas forças especiais que resultaram em baixas civis até dentro do território russo, a queda suspeita de um avião comercial e, em 2022, a invasão à Ucrânia que colocou o mundo em alerta.
A Referência organizou alguns dos principais incidentes associados ao líder russo. Relembre os casos.