Endividado, Líbano prefere “agenda populista”, diz ex-negociador

País tem uma das mais altas dívidas do mundo, e em março deu calote em parte dos débitos em bônus

Um negociador da dívida externa libanesa, que auxiliava o governo de Beirute nas tratativas com o FMI (Fundo Monetário Internacional) revelou à Reuters que deixou o posto porque não “há vontade genuína” do Líbano de resolver a situação.

O especialista, que não teve sua identidade revelada pela agência, afirmou que o governo tem “optado por ignorar a magnitude” da dívida e “embarcar em uma agenda populista”. “Percebi que não há vontade genuína de implementar reformas ou uma reestruturação do setor bancário”, afirmou.

O país vive sua pior crise econômica desde o fim da guerra civil, que varreu o país entre 1975 e 1990. O FMI (Fundo Monetário Internacional) estima uma retração de 12% no PIB (Produto Interno Bruto) neste ano, enquanto a inflação pode bater 17% em 2020.

Endividado, Líbano prefere "agenda populista", diz ex-negociador
Crise econômica no Líbano é a mais grave em décadas (Foto: Wikimedia Commons)

O Líbano tem uma dívida total de cerca de US$ 92 bilhões, que chega a quase 150% de seu PIB, de acordo com o Banco Mundial.

Em março deste ano, o país não conseguiu honrar compromissos com credores estrangeiros pela primeira vez em sua história. O calote, de US$ 31 bilhões, afetou a dívida emitida em bônus.

O perfil da dívida externa libanesa complica a situação do país: em 2018, 77% do débito vinha de depósitos de não-residentes. A maior parte destes é de curto prazo, ou seja, com vencimento de um ano ou menos.

Sem reservas em moeda forte e com cada vez menores possibilidades de conseguir dinheiro extra, o país iniciou manobras de controle cambial. O mercado paralelo de dólares ganhou espaço ainda maior – a libra libanesa perdeu 70% de seu valor desde outubro de 2019.

Já em 2018 o Fundo avisava que o país vivia forte “sensibilidade a um choque cambial”. Além da dificuldade de captar recursos fora, cada vez que uma moeda se desvaloriza, sua dívida externa, calculada em dólar, fica mais cara.

O país tem negociado um empréstimo emergencial de cerca de US$ 10 bilhões com o FMI, mas o aporte não foi liberado. Para comparação, a uma cota de DES (direitos especiais de saque, moeda escritural do Fundo, baseada na cotação de uma cesta de moedas fortes) do Líbano seria equivalente a US$ 873 milhões.

O Fundo exige como contrapartida evidências sólidas de rigor fiscal para conceder empréstimos a países endividados.

Especialistas do FMI que assinaram o relatório anual sobre o Líbano afirmaram ver muita “resiliência” na economia local e entender os problemas causados pelo conflito na vizinha Síria. Porém, para os técnicos, “a dívida externa libanesa é insustentável”.

Em política macroeconômica, a recomendação é a de um “ajuste fiscal multianual para reduzir a dívida pública a níveis sustentáveis”. Entre as propostas estavam aumentar o imposto sobre valor agregado, cortar subsídios e diminuir as isenções de impostos.

Todos os países-membros, endividados ou não, passam por uma consulta anual – chamada de missão do Artigo 4º – que avalia a saúde de suas finanças.

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