Ameaça nuclear aumenta na Ucrânia devido a confrontos perto da usina de Zaporizhzhya

Usina nuclear foi completamente desconectada da rede elétrica nesta quinta-feira pela primeira vez na história

Chernobyl. Para os ucranianos, tem sido inevitável relembrar a catástrofe de 1986 ao observar a situação na usina nuclear de Zaporizhzhya, no sul do país, ocupada pelas forças russas desde o início da guerra e cenário de combates desde então. Uma dúvida justifica o temor: poderá a tragédia se repetir? As informações são da agência Associated Press.

Os arredores da maior usina da Europa foram alvo de vários bombardeios há poucas semanas. Em um deles, um dos reatores foi desligado. Com tanta turbulência na região, há uma atmosfera de ansiedade sobre a hipótese de um desastre nos moldes de 36 anos atrás, que poderia causar grandes impactos nas cidades próximas ou potencialmente dentro de uma região muito maior.

Kiev acusa Moscou de manter como refém a usina nuclear construída na era soviética. A alegação é de que os invasores estariam armazenando armas no local e coordenando ataques no seu entorno. Do outro lado, o Kremlin rechaça as acusações e diz que os ucranianos têm disparado “imprudentemente” contra a instalação, que fica na cidade de Enerhodar.

Usina nuclear de Zaporizhzhya, na Ucrânia (Foto: Wiklimedia Commons)

“Qualquer pessoa que entenda as questões de segurança nuclear está tremendo nos últimos seis meses”, disse Mycle Schneider, consultor independente de políticas e coordenador do World Nuclear Industry Status Report, um relatório anual sobre a indústria de energia nuclear.

Mesmo com todos os riscos já alertados pelos especialistas, fechar as usinas nucleares – o país possui quatro – em meio à invasão russa não é uma opção. A Ucrânia precisa de seus 15 reatores, responsáveis por 50% do abastecimento elétrico.

Apesar de os prédios que abrigam os seis reatores de Zaporizhzhya serem revestidos de concreto armado, o que garante resistência, segundo especialistas, não há usina nuclear civil no mundo projetada para uma situação de guerra.

A curto prazo, a maior preocupação é a de que um corte no fornecimento de eletricidade para a usina pode derrubar os sistemas de refrigeração, essenciais para a operação segura dos reatores. Segundo Kiev, um bombardeio no início desta semana danificou transformadores em uma usina convencional próxima, paralisando o abastecimento de energia para Zaporizhzhya durante horas.

Missão na usina

As negociações para uma missão independente de inspeção do local são espinhosas, mas existem e estão evoluindo. Da França, o presidente Emmanuel Macron disse que teve uma conversa com seu homólogo russo Vladimir Putin na semana passada, quando pediu permissão para que a agência atômica da ONU (Organização das Nações Unidas) tivesse acesso à usina.

“Kiev aceita. Moscou aceita. Então, precisamos ir lá”, falou o chefe da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica), Rafael Mariano Grossi, que esteve com Macron. Ele disse nesta quinta-feira (25) que planeja colocar uma missão dentro da usina em “alguns dias”.

Na terça-feira (23), durante uma reunião do Conselho de Segurança da ONU, a chefe dos Assuntos Políticos das Nações Unidas Rosemary DiCarlo pediu a retirada de todo o pessoal e equipamentos militares da usina, bem como um acordo que estabeleça uma zona desmilitarizada em torno dela.

Usina desconectada

A operadora estatal de energia Enerhoatom disse no Telegram nesta quinta (25) que os dois últimos reatores em funcionamento em Zaporizhzhya foram desconectados da rede elétrica após incêndios terem danificado as linhas aéreas que conectam a usina nuclear à rede, segundo repercutiu a rede Radio Free Europe.

“Como resultado, as duas unidades de energia em funcionamento na estação foram desconectadas da rede. Assim, as ações dos [russos] causaram uma desconexão completa da usina da rede elétrica, a primeira na história da usina”, diz o comunicado, acrescentando que esforços estão em andamento para reiniciar uma das unidades de energia para conectá-la à rede.

Reportagem do jornal britânico Guardian revelou um plano elaborado por Moscou para desconectar a usina da rede elétrica da Ucrânia que pode adicionar mais uma calamidade ao país em guerra. O esquema pode resultar em uma “falha catastrófica” dos sistemas de refrigeração, que ficariam dependentes de uma única fonte de eletricidade para resfriar os reatores.

Os engenheiros russos já tinham um plano em mãos, de acordo com Petro Kotin, chefe da empresa de energia atômica da Ucrânia.

“Eles apresentaram o plano para os trabalhadores da fábrica, e os trabalhadores da fábrica apresentaram para nós. A pré-condição para este plano era o dano pesado de todas as linhas que conectam a usina nuclear de Zaporizhzhya ao sistema ucraniano”, disse Kotin em entrevista na quarta-feira (24), Dia da Independência da Ucrânia.

Ele teme que o exército russo possa com isso tornar o cenário de emergência uma realidade.

“Durante essa desconexão, a usina não será conectada a nenhuma fonte de alimentação, e essa é a razão do perigo”, disse ele, que espera que os inspetores nucleares possam visitar a usina dentro de “uma, talvez duas semanas”.  “Se você não fornecer resfriamento, em uma hora e meia, já terá derretido”, acrescentou.

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