Após ataque terrorista, Rússia tem onda de violência étnica e mais de cem desaparecidos

Cidadãos de países da Ásia Central, sobretudo tadjiques, passaram a ser perseguidos e agredidos depois do atentado

A Rússia atualizou para 143 o número de mortos no ataque terroristas da última sexta-feira (22) na casa de espetáculos Crocus City Hall, em Moscou. As autoridades ainda montaram uma lista com mais de cem pessoas reportadas como desaparecidas, que poderiam ou não estar no local do atentado. Conforme tentam localizar essas possíveis vítimas, as forças de segurança também agem para identificar e prender mais suspeitos de envolvimento no ataque, o que gerou uma onda de violência e perseguição contra migrantes, sobretudo de países da Ásia Central.

O ataque teria sido perpetrado por quatro cidadãos do Tadjiquistão, que entraram no Crocus City Hall com rifles automáticos e dispararam a esmo. Ao tiroteio se seguiu um grande incêndio que destruiu parcialmente a casa de espetáculos, onde aconteceria o show da banda Picnic, bastante popular nos tempos de União Soviética.

Os quatro acusados apareceram já no domingo (24) em um tribunal de Moscou, todos com hematomas no rosto e em partes visíveis do corpo, o que gerou a suspeita de que foram torturados pela polícia russa. Ao menos mais sete suspeitos, também de países da Ásia Central, foram detidos na sequência, e uma operação segue ativa para identificar eventuais novos envolvidos.

O atentado foi reivindicado pelo Estado Islâmico-Khorasan (EI-K), atualmente a mais violenta das facções do Estado Islâmico (EI) do Iraque e da Síria. Originário do Afeganistão, o grupo vê a Rússia como um inimigo por razões diversas. Na guerra civil síria, Moscou apoia o presidente Bashar al-Assad, que tem no EI um inimigo. As tropas russas e inclusive realizaram bombardeios contra posições rebeldes, matando um bom número de jihadistas.

Crocus City Hall, em Moscou, destruído após o ataque terroristas de 22 de março (Foto: prefeitura de Moscou/WikiCommons)

Também pesa para a hostilidade a proximidade entre o governo russo e o Taleban, ampliada desde que este assumiu efetivamente o governo do Afeganistão, em agosto de 2021, depois da saída da tropas estrangeiras. No país do Oriente Médio, os talibãs são tratados como inimigos pelo EI-K, que tem neles o principal alvo de seus ataques.

Outro ponto que fortalece a rejeição do EI-K a Moscou é a perseguição aos muçulmanos, em particular durante a guerra da Chechênia. Esse conflito, por sinal, havia gerado a última onda de ataques terroristas em território russo, no início do século 21, período em que o presidente Vladimir Putin assumiu o poder.

Cidadãos de países da Ásia Central, principalmente de ex-repúblicas soviéticas, são alvo do recrutamento do EI-K. Para Moscou, isso torna qualquer um deles potencialmente suspeito, fato que desencadeou uma onda de violência contra migrantes nos últimos dias. Prevendo que seus cidadãos teriam problemas, a embaixada do Tadjiquistão alertou para que evitem sair de casa, a menos que absolutamente necessário, de acordo com a rede BBC.

Favorecidos por um programa de isenção de vistos, migrantes dessas nações marcam forte presença na Rússia, e a discriminação faz parte de sua rotina. Segundo Edward Lemon, professor da Universidade Texas A&M, dos EUA, eles são “frequentemente confrontados com uma ampla xenofobia social que os vê como uma espécie de subclasse”, e o atentado só piora o cenário.

Russos originários de países da Ásia Central já haviam se tornado alvo preferencial do governo no recrutamento obrigatório de cidadãos para as Forças Armadas, com muitos deles convocados para lutar na guerra da Ucrânia, sem o direito legal de recusar a chamada. Há atualmente na Rússia cerca de 10,5 milhões de migrantes provenientes de países como Tadjiquistão, Uzbequistão e Quirguistão.

Nos últimos dias, ainda de acordo com a BBC, uma empresa de propriedade estrangeira foi incendiada, e muitos migrantes foram detidos no aeroporto Sheremetyevo, em Moscou, e obrigados a confirmar sua nacionalidade. As autoridades mantiveram os indivíduos em salas fechadas, sem água nem comida, sob o argumento de que buscavam cidadãos tadjiques tentando embarcar em voos internacionais.

Mais de cem desaparecidos

Conforme agem aleatoriamente em busca de eventuais culpados de envolvimento com o atentado, as forças de segurança se deparam também com a missão de localizar desaparecidos, pessoas que poderiam ou não estar no Crocus City Hall durante o ataque.

Muitas dessas pessoas podem estar entre os 143 mortos reportados até quarta-feira (27), já que alguns deles ainda não foram devidamente identificados. Contribui para a situação o fato de o telhado da casa de espetáculos ter desabado após o incêndio que se seguiu ao tiroteio. Assim, a identificação de alguns corpos tende a ocorrer somente através de testes de DNA.

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