Migrantes são recrutados à força para se juntar às tropas da Rússia na Ucrânia

Cidadãos de países da Ásia Central que cumprem pena ou trabalham no país dizem que são obrigados a se alistar no exército

Nos últimos meses, o governo da Rússia lançou mão de duas medidas para aumentar o efetivo de suas forças armadas na Ucrânia: a mobilização parcial anunciada pelo presidente Vladimir Putin em setembro do ano passado e o recrutamento de indivíduos cumprindo pena em prisões russas. Em ambos os casos, migrantes de países da Ásia Central estão entre os principais alvos de Moscou. E invariavelmente não têm o direito de recusar a convocação. As informações são da rede BBC.

O recrutamento forçado para servir às forças armadas é um medo compartilhado por estrangeiros que vivem na Rússia. Segundo os dados mais recentes do Ministério do Interior, há atualmente no país cerca de 10,5 milhões de migrantes provenientes de países como Uzbequistão, Tadjiquistão e Quirguistão. Muitos foram alvo da mobilização de Putin que adicionou cerca de 300 mil novos combatentes às fileiras do exército na Ucrânia.

De acordo com Valentina Chupik, ativista pelos direitos humanos, uma das estratégias das autoridades russas contra os estrangeiros tem sido ameaçá-los de deportação se não assinarem o contrato para servir às forças armadas. Aqueles que aceitam pegar em armas para ir à guerra ouvem a promessa de que receberão passaporte russo.

Migrantes em situação ilegal são ainda mais atraentes para os recrutadores. Na eventualidade de não terem autorização de trabalho ou de morarem eu um local diferente do registrado, são pressionados a se alistar sob o risco de serem legalmente expulsos do país devido às irregularidades.

Membros das forças armadas da Rússia: estrangeiros entre os convocados (Foto: Reprodução/Facebook)
Recrutamento de presos

Os estrangeiros que cumprem pena na Rússia são tratados pelas autoridades de forma ainda mais abusiva. O recrutamento, nessa situação, cabe ao Wagner Group, organização paramilitar privada ligada ao Kremlin e que tem papel cada vez mais relevante dentro da máquina de guerra russa.

Na colônia penal IK-6, a mesma em que cumpre pena o oposicionista Alexei Navalny, maior rival doméstico de Putin, há relatos de migrantes que foram forçados a assinar o contrato para se juntar ao Wagner Group na guerra, recebendo em troca o perdão por seus crimes.

Um preso identificado apenas como Anuar, cujo nome completo e nacionalidade foram preservados por questão de segurança, diz que presenciou o recrutamento forçado na IK-6, onde cumpre pena por tráfico de drogas. Segundo ele, um grupo de cidadãos de países da Ásia Central foi enviado à Ucrânia mesmo contra a própria vontade.

“Há muitos uzbeques, tadjiques e quirguizes naquela prisão. Agora eles estão planejando enviar outro grupo, e meu filho está preocupado que eles o obriguem a ir também”, disse o pai de Anuar, que recebeu uma carta do filho alertando para o ocorrido.

Olga Romanova, diretora de uma organização de direitos civis russa, confirma a história de Anuar. “Eles não tiveram escolha. Eles foram instruídos a assinar o contrato e foram enviados para a linha de frente como um saco de batatas”, disse ela.

Outro migrante que cumpre pena na Rússia e teme ser forçado a lutar é Farukh, um uzbeque preso na região de Rostov. Ele diz que muitos estrangeiros do presídio onde está atualmente aceitaram a convocação voluntariamente devido à promessa de terem seus crimes perdoados após seis meses de serviço militar. Agora, porém, a situação é diferente.

“No começo, também pensei em ir porque todos achavam que a Rússia era mais poderosa e venceria em um mês, três meses ou um ano”, diz ele. “Mas agora vemos quantas pessoas estão morrendo lá. E, se faltarem soldados, isso não é bom. Se eles me disserem para ir e eu me recusar, eles podem declarar que sou contra a Rússia”.

Execuções sumárias

Além dos relatos de presos e trabalhadores estrangeiros forçados a reforçar as tropas russas na Ucrânia, há denúncias de inúmeros outros abusos praticados pelo Wagner Group contra os presos recrutados. A mais grave delas diz que combatentes têm sido sumariamente executados por descumprirem ordens.

Andrei Medvedev, de 26 anos, um ex-mercenário que fugiu para a Noruega e recebeu por lá o status de testemunha, disse que presenciou situações assim. “Houve um caso em que trouxeram dois presos que se recusaram a lutar e atiraram neles na frente dos outros, por não seguirem ordens”, contou Medvedev ao jornal independente The Moscow Times. “Houve muitos desses casos”. 

Em dezembro do ano passado, o Ministério da Defesa do Reino Unido publicou balanço de inteligência dizendo que combatentes recrutados nos presídios russos são levados à Ucrânia para atuar na linha de frente e assim reduzir o risco à vida dos membros mais experientes do Wagner Group.

Os ex-presidiários, geralmente menos experientes, recebem um tablet ou celular que mostra a eles em um mapa a rota que deve ser seguida na linha de frente. Já os comandantes, aqueles com melhor treinamento, ficam na retaguarda, onde o risco é consideravelmente menor, de acordo com o governo britânico.

O presidente russo Vladimir Putin, de preto, e o empresário Evgeny Prigozhin (à dir.) (Foto: WikiCommons)
Fim do recrutamento

Na semana passada, Evgeny Prigozhin, importante aliado de Putin e chefe da organização mercenária, afirmou que “o recrutamento de prisioneiros pela empresa militar privada Wagner parou completamente”. A mobilização parcial do ano passado também foi oficialmente encerrada, de acordo com o governo russo.

Entretanto, têm surgido informações de que o recrutamento pode ser retomado. Quem primeiro fez tal afirmação, no início de janeiro, foi a inteligência ucraniana. Na ocasião, Kiev afirmou que Moscou planeja adicionar 500 mil conscritos às forças armadas, ainda mais que na primeira onda de convocações.

Mais recentemente, o Ministério da Defesa do Reino Unido disse o mesmo. “Autoridades russas provavelmente mantêm aberta a possibilidade de uma nova rodada de convocações inseridas na ‘mobilização parcial’”, disse a inteligência militar britânica.

No mês passado, o presidente Vladimir Putin negou tais intenções, afirmando inclusive que suas forças sequer contavam à época com todos os 300 mil russos convocados desde setembro. Segundo ele, somente a metade desse contingente já havia sido enviada ao campo de batalhas.

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