Bulgária ameaça extraditar cidadão russo que queimou passaporte em protesto

Alexey Alchin é acusado de evasão fiscal pelas autoridades russas, alegações supostamente forjadas contra o dissidente

Um tribunal búlgaro revelou na terça-feira (9) a intenção de expulsar do país o cidadão russo Alexey Alchin, conhecido por queimar seu passaporte em protesto contra a guerra na Ucrânia. A decisão judicial teria relação com um comportamento de Sófia de extraditar dissidentes que reagiram contra a invasão iniciada há seis meses, o que gerou protestos e questionamentos sobre a legalidade da decisão no país nos Bálcãs. As informações são da rede Euronews.

No caso de uma aprovação, a extradição abriria um precedente na União Europeia (UE): a Bulgária se transformaria no primeiro Estado-membro do bloco econômico a entregar um cidadão russo às autoridades em Moscou desde o início do conflito, gesto que pode abrir as portas para novas demandas contra dissidentes que deixaram a Rússia.

Alchin, 46 anos, um ex-empresário do ramo de exportação de metal que vive na Bulgária há cinco anos, tem contra ele um mandado emitido por Moscou. A acusação: evasão fiscal, por fraude contra o Estado de 4,5 milhões de euros, alegações que o acusado reputa como forjadas. A violação diz respeito ao Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), um tributo que se aplica a quase todos os bens e serviços adquiridos e vendidos para utilização ou consumo na UE.

Alexey Alchin vive há cinco anos na Bulgária, onde leciona artes marciais (Foto: reprodução Facebook)

A esposa dele, Olga Gyurova, diz que o marido é vítima de perseguição devido ao seu posicionamento político e consequentes críticas ao Kremlin.

Em 26 de fevereiro, dois dias após Vladimir Putin ordenar a invasão de suas tropas, Alchin esteve presente em uma manifestação antiguerra em Varna, cidade turística banhada pelo Mar Negro. Durante o protesto, ele ateou fogo a seus documentos russos. 

Poucos meses após esse episódio, Moscou abriu um processo contra Alchin e procurou autoridades em Sófia para comunicar sobre o mandado internacional para sua prisão ao não pagar dívidas pendentes de IVA. Ele então recebeu em junho uma intimação do Ministério da Administração Interna da Bulgária para uma entrevista. Após passar 12 dias sob custódia, está em prisão domiciliar desde então.

O acusado garante que quitou suas dívidas antes de deixar o país natal e alega desconhecer as acusações, que as autoridades russas insistem que remontam ao ano de 2018. 

Depois de ser preso, Alchin apresentou um pedido de asilo político na Bulgária, o que foi rejeitado pelo promotor encarregado de seu caso, que afirmou que isso deveria ter ocorrido antes de ele ser levado para interrogatório. O tribunal distrital seguiu a decisão, apesar do pedido de proteção do ex-empresário.

Decepção, recomeço e chamas

Após desiludir-se com a Rússia, Alchin deixou o emprego, seu país e foi com a esposa para Varna, onde buscou um recomeço ensinando artes marciais para crianças.

Ao ouvir rumores, ele ficou ciente de que poderia virar alvo de um processo de evasão fiscal. Tudo por conta de seu conhecimento do funcionamento interno do governo russo adquirido quando ocupava um cargo no Comitê de Política Econômica e Empreendedorismo da Duma, a câmara baixa do parlamento russo, função que largou em 2010 devido às preocupações com a corrupção.

Quando Putin autorizou a sua chamada “operação militar especial” na Ucrânia, Alchin manifestou publicamente sua contrariedade. Foi quando decidiu ir à rua e queimou o passaporte, contou sua esposa. O vídeo que registrou o momento pode ser visto no Facebook.

“Ele estava muito preocupado com as notícias da guerra”, disse Olga. “Em seu desejo de romper todos os laços com o Estado agressor, ele queimou seus documentos que atestavam que era cidadão [russo]”.

Se entregue às autoridades em Moscou, há temores de que Alchin poderá não receber um julgamento justo, bem como ser submetido a outras acusações criminais.

De acordo com a lei búlgara, há duas condições que precisam ser cumpridas para extraditar um cidadão estrangeiro do país: haver um processo pendente contra ele em seu país de origem por um ato que pode ser criminalmente perseguido na Bulgária e que o crime venha com uma sentença de não menos de um ano de prisão. No entanto, só as acusações de evasão fiscal podem render até seis anos de prisão.

Enquanto isso, a esposa de Alchin espera um fim favorável após recurso. “Nós, russos, escolhemos viver aqui, não lá. Uma vez que estamos num país europeu, espero que também respeitemos os valores europeus. Esperamos que o Tribunal seja guiado pelos princípios do direito europeu”, concluiu Olga.

Por que isso importa?

Na Rússia, protestar contra o governo já não era uma tarefa fácil antes da eclosão da guerra na Ucrânia. Os protestos coletivos desapareceram das ruas desde que o governo passou a usar a pandemia de Covid-19 como argumento para punir grandes manifestações, sob a alegação de que o acúmulo de pessoas fere as normas sanitárias. Assim, tornou-se comum ver pessoas solitárias erguendo cartazes com frases contra o governo.

Desde a invasão do país vizinho por tropas russas, no dia 24 de fevereiro, o desafio dos opositores do presidente Vladimir Putin aumentou consideravelmente, com novos mecanismos legais à disposição do Estado e o aumento da violência policial para silenciar os críticos. Uma lei do início de março, com foco na guerra, pune quem “desacredita o uso das forças armadas”.

Dentro dessa severa nova legislação, os detidos têm que pagar multas que chegam a 300 mil rublos (R$ 16,9 mil). A pena mais rigorosa é aplicada por divulgar “informações sabidamente falsas” sobre o exército e a “operação militar especial” na Ucrânia, que é como o governo descreve a guerra. A reclusão pode chegar a 15 anos.

Apesar dos riscos, muitos russos enfrentam a repressão e a possibilidade de serem presos e protestam de diversas maneiras para deixar clara sua oposição ao conflito.

Em Moscou, no dia 15 de março, ignorando todos esses riscos, uma mulher escolheu como ponto de protesto a Catedral do Cristo Salvador. Em um cartaz, reproduziu o sexto mandamento segundo a Igreja Ortodoxa: “Não matarás”. Outra mulher desafiou a censura e se posicionou em uma esquina próxima do Kremlin com um cartaz que dizia “Não à guerra”. Ambas foram retiradas por policiais e colocadas em um camburão menos de dez minutos depois de exibirem os cartazes.

Artista russa é presa por protestar contra a guerra nas etiquetas de preços
Jovem russa exibe cartaz com a frase “não matarás” em protesto antiguerra (Foto: reprodução/Twitter)

Yevgenia Isayeva, uma artista e ativista da cidade russa de São Petesburgo, optou por um protesto mais gráfico no dia 27 de março. Com um vestido branco, ela se posicionou em frente à prefeitura da cidade e, então, despejou tinta vermelha sobre a roupa, enquanto dizia repetidamente: “Meu coração sangra, meu coração sangra…”. Também teve poucos minutos para se manifestar antes de ser retirada à força.

Há, ainda, os manifestantes que querem deixar sua mensagens sem expor a própria imagem. Casos dos grafiteiros que têm feito surgir nos muros de cidades russas mensagens antiguerra. Também em 27 de março, dois homens foram presos na cidade de Tula, no sul do país, acusados de grafitar mensagens como “Derrubem Putin” e “Parem Putin”.

Coletivamente, um jeito diferente de protestar tem sido através de mensagens escritas em cédulas e moedas de rublos. O fenômeno passou a ser compartilhado em plataformas como TwitterTelegram e Reddit. As mensagens são normalmente escritas à mão, sendo as frases mais comuns “não à guerra” e “russos contra a guerra”.

Tags: