O plano da Alemanha de reconstruir suas Forças Armadas e assumir papel mais ativo na defesa da Europa esbarra em dois obstáculos que nem o maior orçamento militar da história do país conseguiu remover: a lentidão da máquina pública e o desconforto cultural com o poderio bélico. Mesmo com recursos estimados em 215 bilhões de euros por ano (R$ 1,37 trilhão), a meta de tornar o Exército alemão o maior da Europa enfrenta gargalos que vão além do campo financeiro. As informações são da revista The Economist.
O governo de Friedrich Merz assumiu o compromisso de reforçar a Bundeswehr, como é chamado o Exército alemão, diante das ameaças trazidas pela guerra na Ucrânia e do novo papel estratégico da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) no Leste Europeu. No entanto, a execução do plano vem sendo prejudicada por um sistema de compras militares considerado excessivamente burocrático e lento.

A dificuldade vai além da papelada. As exigências regulatórias são vistas por oficiais como exageradas e pouco práticas, como a obrigatoriedade de que novos modelos de tanque sejam adequados a todas as condições possíveis de operação — até mesmo a condução por mulheres grávidas.
A avaliação dentro do próprio governo é de que esse padrão de perfeição compromete a agilidade necessária diante do cenário atual. “A solução de 80% agora é melhor do que a de 100% daqui a cinco anos”, afirma Matthias Wachter, chefe de política de segurança da Federação das Indústrias Alemãs
Para acelerar os processos, o Ministério da Defesa elaborou uma nova legislação com o objetivo de flexibilizar as normas de planejamento e aquisição de equipamentos. A proposta, porém, tem sido considerada tímida por especialistas, que apontam que apenas mudanças profundas na estrutura do Exército e na lógica de compras públicas poderiam destravar o processo.
Ao mesmo tempo, setores da sociedade civil e do meio acadêmico ainda demonstram resistência ao fortalecimento da máquina militar. Em dezenas de universidades alemãs, seguem vigentes proibições ao recebimento de verbas públicas para pesquisas com fins militares. Essas barreiras culturais são resquícios do trauma da Segunda Guerra e ajudam a explicar a dificuldade da Alemanha em conciliar sua nova postura geopolítica com a mentalidade pacifista que marcou sua reconstrução no pós-guerra.
A distância entre a ambição política e a realidade operacional se reflete também na falta de efetivo. O governo quer aumentar o número de soldados para pelo menos 203 mil, um patamar que está longe de ser alcançado. Diante disso, iniciou o envio de questionários obrigatórios a jovens de 18 anos, medida vista como primeiro passo para o retorno do serviço militar obrigatório, suspenso em 2011.
A meta de modernizar o Exército e consolidar a posição da Alemanha como pilar da defesa europeia, portanto, dependerá não apenas de bilhões em investimentos, mas também da capacidade do país de superar amarras internas que o mantêm preso a um passado do qual ainda tenta se libertar.