China ignora pedido oficial e mantém abertos seus centros de polícia na Alemanha

Registros oficiais mostram que os postos são administradas por cidadãos alemães com laços estreitos com a Embaixada da China

A China mantém abertos dois centros de polícia na Alemanha, desrespeitando os pedidos das autoridades locais para o encerramento imediato das operações e ignorando o alerta de que tais postos violam a soberania do país europeu. As informações são do jornal alemão Handelsblatt.

No dia 3 de novembro, o Ministério das Relações Exteriores da Alemanha solicitou que Beijing fechasse os escritórios. Segundo a reportagem, que teve acesso a registros parlamentares sobre a questão, a embaixada chinesa respondeu dizendo que “não havia atividades relevantes” acontecendo nos postos.

Um relatório publicado em setembro pela ONG de direitos humanos Safeguard Defenders revelou que o governo da China gerencia 54 “centros de serviço da polícia no exterior”, usados para assediar cidadãos chineses em países estrangeiros. Desde então, de acordo com a entidade, 14 países passaram a investigar a prática, com algumas dessas estações ordenadas a encerrar as atividades.

Oficiais de polícia chineses em Beijing, abril de 2007 (Foto: WikiCommons)

De acordo com a secretária de Estado do Parlamento da Alemanha, Rita Schwarzeluehr-Sutter, a China tem atualmente duas “esquadras de polícia no exterior” em solo alemão. Nenhuma tem legitimidade com base em acordos bilaterais diplomáticos.

“Elas não são controlados por policiais chineses, mas pelos chamados ‘líderes comunitários’ nascidos na China que têm cidadania alemã”, disse Rita ao responder sobre a questão à deputada Joana Cotar, do partido Alternativa para a Alemanha (AfD, da sigla em alemão).

E acrescentou: “São pessoas que têm bons contatos com as missões diplomáticas da República Popular da China e contam com a confiança das autoridades de segurança chinesas”.

Em dezembro, respondendo a outra pergunta de um parlamentar alemão, o secretário de Relações Exteriores, Andreas Michaelis, disse que “o governo federal já havia deixado claro à embaixada que não toleraria violações de sua soberania” e que estava em contato com Beijing para tratar do assunto.

O governo chinês nega que coordene postos de polícia fora de seu território, mas reconhece as operações do que chama de “estações de serviço”, criadas para dar assistência a cidadãos chineses em processos administrativos.

Segundo a Safeguard Defenders, essas estações foram originalmente criadas como associações comunitárias de cidadãos de uma mesma região chinesa, como o objetivo de fornecer apoio administrativo a turistas e imigrantes, como, por exemplo, para a confecção de documentos. Com o tempo, porém, passaram a ser usados para reprimir dissidentes e cidadãos chineses acusados de crimes em seu país.

Apesar de as autoridades alemãs reconhecerem que tais estações ajudam os chineses em questões que envolvem a burocracia dentro do país, também acusam os centros de espionagem. Segundo o Ministério do Interior, entre as atividades estão “propagar orientações ideológicas e políticas” e “recolher informações sobre os membros da diáspora”.

Na maioria dos casos, esses “centros de serviço” somente operam um sistema online que coloca o cidadão chinês em contato com as autoridades na China. Porém, há casos registrados de envolvimento ativo das estações no rastreamento e na perseguição de alvos em países estrangeiros. Os indivíduos são muitas vezes convencidos, sob pressão, a retornar ao território chinês para enfrentar a justiça local.

Partidos cobram resposta do governo

Políticos do Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD, da sigla em alemão) e da União Democrata-Cristã (CDU) cobram resposta do governo federal. 

Ouvido pelo Handelsblatt, Sebastian Fiedle, do SPD, disse que não deveria haver “nenhuma tolerância” com as delegacias de polícia. 

“Fora das representações diplomáticas oficiais, ou seja, a embaixada e os consulados, não há espaço para outras representações secretas do Estado chinês. Portanto, presumo que o Ministério das Relações Exteriores passará agora para o próximo nível diplomático da situação”, observou.

Já o especialista em política externa pelo CDU Roderich Kiesewetter disse que “s ações cada vez mais agressivas” da China “representam uma ameaça à nossa ordem e segurança baseadas em regras”.

Aniessa Andresen, presidente da ONG alemã Hongkonger, que dá apoio aos cidadãos de Hong Kong, disse que Beijing está violando flagrantemente a lei internacional. “A resposta medíocre do governo alemão encorajou a perseguição de dissidentes chineses que vivem no que deveria ser um país livre”, disse ela.

Nas Américas

Dois “centros de serviço” chineses operam o Brasil, sendo um em São Paulo e o outro no Rio de Janeiro. Entretanto, a Safeguard Defenders afirma que não há registro de assédio contra chineses nessas estações, que aparentemente vêm sendo usadas somente para dar apoio administrativo a turistas e imigrantes.

Ainda assim, o movimento brasileiro Democracia Sem Fronteiras (DSF), bastante atuante no papel de contestar a repressão do governo chinês, se posicionou “totalmente contrário às ações do governo chinês em privar a liberdade e descumprir os princípios do direito internacional”. E afirmou que “é de suma importância a sinalização negativa dos países que possuem ideais de liberdade e de democracia, tendo em vista o posicionamento autoritário do governo chinês”.

A Referência tentou contato com o Itamaraty e com a Embaixada da China no Brasil para tratar da questão, mas não obteve resposta. A ONG também afirma que não teve acesso a qualquer manifestação do governo brasileiro.

Tags: