Catorze países investigam centros de polícia geridos pela China no exterior

As estações, originalmente criadas para dar apoio administrativo a cidadãos chineses, viraram arma de repressão do governo

Um relatório publicado em setembro pela ONG de direitos humanos Safeguard Defenders revelou que o governo da China gerencia 54 “centros de serviço da polícia no exterior”, usados para assediar cidadãos chineses em países estrangeiros. Desde então, de acordo com a entidade, 14 países passaram a investigar a prática, com algumas dessas estações ordenadas a encerrar as atividades.

Os centros foram originalmente criados como associações comunitárias de cidadãos de uma mesma região chinesa e forneciam apoio administrativo a turistas e imigrantes, como por exemplo para a confecção de documentos. Com o tempo, porém, passaram a ser usados para reprimir dissidentes e cidadãos chineses acusados de crimes em seu país.

“Embora muitas vezes forneçam serviços genuínos à comunidade, agora se tornaram esmagadoramente cooptados pelas organizações da Frente Unida do PCC (Partido Comunista Chinês), que buscam controlar cada vez mais a diáspora chinesa“, diz a ONG.

Na maioria dos casos, esses “centros de serviços” somente operam um sistema online que coloca o cidadão chinês em contato com as autoridades na China. Porém, há casos registrados de envolvimento ativo das estações no rastreamento e na perseguição de alvos em países estrangeiros. Os indivíduos são muitas vezes convencidos, sob pressão, a retornar ao território chinês para enfrentar a justiça local.

Dados da ONG apontam que, entre abril de 2021 e julho de 2022, 230 mil chineses “foram devolvidos para enfrentar possíveis acusações criminais na China por meio desses métodos, que geralmente incluem ameaças e assédio contra membros da família em casa ou diretamente contra o alvo no exterior, seja por meio online ou físico”. Para todos os efeitos, o governo chinês alega que os repatriados são acusados de algum crime.

Oficiais de polícia chineses em Beijing, abril de 2007 (Foto: WikiCommons)
Nas Américas

Dois “centros de serviço” chineses operam o Brasil, sendo um em São Paulo e o outro no Rio de Janeiro. Entretanto, a Safeguard Defenders afirma que não há registro de assédio contra chineses nessas estações, que aparentemente vêm sendo usadas somente para dar apoio administrativo a turistas e imigrantes.

Ainda assim, o movimento brasileiro Democracia Sem Fronteiras (DSF), bastante atuante no papel de contestar a repressão do governo chinês, se posicionou “totalmente contrário às ações do governo chinês em privar a liberdade e descumprir os princípios do direito internacional”. E afirmou que “é de suma importância a sinalização negativa dos países que possuem ideais de liberdade e de democracia, tendo em vista o posicionamento autoritário do governo chinês”.

A Referência tentou contato com o Itamaraty e com a Embaixada da China no Brasil para tratar da questão, mas não obteve resposta. A ONG também afirma que não teve acesso a qualquer manifestação do governo brasileiro, assim como de outros 15 países: Argentina, Brunei, Camboja, Equador, França, Grécia, Hungria, Japão, Lesoto, Mongólia, Sérvia, Eslováquia, Tanzânia, Ucrânia e Uzbequistão.

Nos Estados Unidos, uma investigação foi aberta para analisar a operação do centro de serviço de Nova York. Já a polícia do Canadá diz que está “investigando relatos de atividades criminosas em relação às chamadas ‘delegacias'”. O Chile também disse, através da ministra do Interior Carolina Tohá, que iniciou uma investigação.

Na Europa

Ao menos dois países europeus adotaram a medida extrema e ordenaram o fechamento dos centros de serviço chineses: Holanda e Irlanda. O ministro das Relações Exteriores holandês Wopke Hoekstra disse ainda que um pedido de esclarecimento completo foi enviado ao embaixador chinês.

O Departamento de Relações Exteriores do governo irlandês, por sua vez, disse que “as ações de todos os Estados estrangeiros em território irlandês devem estar em conformidade com a lei internacional e os requisitos da lei doméstico”. Sendo assim, a estação chinesa “deveria fechar e encerrar as operações”.

Portugal, Suécia, Espanha, Reino Unido, Alemanha, República Tcheca e Áustria anunciaram investigações para analisar a atuação de Beijing com seus “centros de serviço”. A Itália respondeu antes da mudança de governo no país e afirmou que a estação chinesa no país “não é uma preocupação particular”. Entretanto, há imagens que mostram agentes de polícia de Roma na inauguração do centro na cidade, em 2018.

Na África

O governo nigeriano foi o único que se manifestou no continente africano e negou que uma estação de polícia chinesa esteja em operação no país. Falou ainda que a informação “engana o público” e que “a Nigéria é uma nação soberana” e “nenhuma outra nação pode estabelecer uma base de qualquer forma”.

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