Com guerra mais ampla, Rússia ultrapassa meio milhão de baixas e busca soldados até na África

Forças russas se desdobram para sustentar a ofensiva em curso, defender novas áreas sob ataque e compensar as perdas elevadas

Repor as baixas no campo de batalhas é, desde o início da guerra da Ucrânia, um grande desafio para as Forças Armadas da Rússia, que já recorreram a uma série de medidas alternativas em busca de novos soldados. A situação tornou-se ainda mais complicada nas últimas semanas, após um mês de maio excessivamente violento, em meio a uma pesada ofensiva russa e com o campo de batalhas expandido.

No início de junho, um balanço de inteligência do Ministério da Defesa do Reino Unido estimou que as tropas de Moscou haviam perdido, até ali, ao menos 500 mil homens, entre mortos e feridos. A média diária de baixas de maio, segundo a mesma avaliação, foi de 1,2 mil por dia, a maior desde o início do conflito.

“A elevada taxa de baixas é muito provavelmente um reflexo da desgastante ofensiva em andamento da Rússia, que está sendo conduzida em uma ampla frente”, disse o Ministério na oportunidade. “A Rússia continua recrutando forças adicionais para sustentar essa abordagem.”

Foi essa ofensiva russa, que tem Kharkiv como principal foco, que levou inclusive o Ocidente a adotar uma abordagem menos pragmática em apoio à Ucrânia, que recebeu autorização para usar as armas fornecidas por seus aliados inclusive dentro do território russo. Assim, as forças de Moscou precisam sustentar a ofensiva e ao mesmo tempo defender áreas que antes não estavam ao alcance do inimigo.

O aval ocidental permitiu a Kiev, por exemplo, bombardear seguidas vezes a região russa de Belgorod, usando inclusive um caça F-16 fabricado nos EUA. Também impôs perdas à Marinha russa no Mar de Azov, onde até então os navios de Moscou se consideravam seguros após as intensas perdas sofridas quando estavam ancorados na Crimeia.

Soldados da Guarda de Honra russa (Foto: WikiCommons/Divulgação)

E a dificuldade pode aumentar ainda mais com uma nova frente de batalhas se desenhando. De acordo com a agência Reuters, um relatório militar do governo belarusso alertou para a presença crescente de tropas de Kiev perto da fronteira entre Belarus e Ucrânia.

“É claro que isto é motivo de preocupação, não só para Minsk, mas também para Moscou, porque somos de fato aliados e parceiros”, disse o porta-voz do Kremlin Dmitry Peskov, sugerindo que a ação poderia colocar as força belarussas na guerra devido aos acordos de defesa estabelecidos entre os dois países.

Soldados africanos na Ucrânia

Em sua dupla missão de atacar e defender áreas cada vez mais amplas, pesam a escassez de homens e, de acordo com o governo britânico, o despreparo de muitos combatentes que estão na ativa.

“É muito provável que a maioria das forças russas receba apenas treinamento limitado e seja incapaz de realizar operações ofensivas complexas”, diz o balanço de inteligência. “A necessidade de repor continuamente o pessoal da linha de frente quase certamente continuará limitando a capacidade da Rússia de gerar unidades de maior capacidade.”

Uma alternativa encontrada pelo Kremlin para obter mão de obra melhor qualificada é recrutar militares em outros países. Um dos focos é a África, onde a Rússia mantém acordos de segurança com governos locais e tem forte presença desde que os mercenários do Wagner Group ali se estabeleceram. Embora a organização tenha sido desmantelada, não deixou um vácuo, sendo substituída por outra similar sob o nome The Africa Corps.

De acordo com o site The Kyiv Independent, citando como fonte a inteligência militar ucraniana, o Africa Corps tem sido responsável pelo recrutamento de mercenários africanos para reforçar as tropas russas na Ucrânia, uma forma de compensar as baixas superiores às projeções feitas por Moscou.

“Os mercenários são atraídos por um pagamento inicial de US$ 2 mil pela assinatura de um contrato, com a promessa de um subsídio mensal de US$ 2,2 mil, seguro de saúde e passaportes russos para eles e suas famílias”, disse a Diretoria Principal de Inteligência (HUR, da sigla em ucraniano) de Kiev.

Os combatentes africanos invariavelmente atuam nas unidades Tempestade-Z, pelotões de segunda classe que ganharam esse apelido extraoficialmente. A letra Z foi adotada por Moscou como símbolo da guerra, enquanto a palavra “tempestade” remete às tropas de assalto das Forças Armadas, que geralmente lideram os ataques e se expõem a um risco maior.

Tais pelotões são geralmente formados por criminosos que optaram por servir às Forças Armadas em troca de perdão por seus crimes, outra alternativa encontrada pelo governo russo para repor as baixas. Tais pelotões contam ainda com militares regulares que cometeram atos de indisciplina ou insubordinação ou que foram flagrados bêbados por seus superiores, sendo então punidos.

O Africa Corps conta hoje com cerca de dois mil soldados profissionais e oficiais, bem como com mercenários experientes, muitos dos quais serviram anteriormente no Wagner Group. Este grupo provavelmente foi implantado anteriormente na Síria, na Líbia, em Burkina Faso e no Níger, de acordo com a inteligência ucraniana. A eles têm se somado, cada vez mais, cidadãos de países africanos como Ruanda, Burundi, RD Congo e Uganda.

De acordo com o Ministério da Defesa britânico, desde maio têm sido identificados membros do Africa Corps em ação na Ucrânia. Eles teriam chegado ao país em abril de 2024 especialmente para integrar a atual ofensiva russa.

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