Expulsos do Níger, soldados dos EUA dividem base com militares da Rússia no país africano

Washington ainda negocia as condições para a retirada de suas tropas, mas os militares russos já desembarcaram em Niamey

Conforme encaminham a retirada de suas tropas do Níger, atendendo a uma determinação do governo local, as Forças Armadas dos EUA precisam dividir temporariamente uma base aérea com soldados da Rússia. A revelação foi feita à agência Reuters por uma autoridade de Defesa norte-americana e posteriormente confirmada por Washington.

Os governos dos EUA e do Níger começaram a se distanciar quando a junta militar assumiu o poder na nação africana, ato que Washington reconheceu em outubro do ano passado como um golpe de Estado. Desde então, o apoio militar norte-americano vinha sendo reduzido, mas tropas foram mantidas no país devido à importância estratégica que ele ocupa no Sahel.

A situação se tornou insustentável em março, após uma reunião que se desenrolou de forma tensa entre representantes dos dois governos. Os EUA teriam contestado a presença crescente de militares russos no Níger, resultado da influência cada vez maior de Moscou no continente. A manifestação de insatisfação foi encarada como intrusiva pelos africanos, que romperam o pacto de segurança.

General Abdourahamane Tchiani, líder do governo militar do Níger (Foto: Office of Radio and Television of Niger (ORTN)/Captura de tela)

Alegando que o acordo havia sido “imposto unilateralmente” por Washington, o Níger determinou que os cerca de mil soldados norte-americanos estacionados no país fossem embora. Deixou claro, assim, que a partir de agora enxerga a Rússia como seu principal parceiro internacional para segurança, como já haviam feito recentemente outros países africanos igualmente liderados por governos militares e que expulsaram tropas francesas de seus territórios.

Enquanto os norte-americanos não saem e como os russos já chegaram, todos ocupam a mesma base. Segundo a fonte ouvida pela Reuters, que falou sob condição de anonimato, os soldados dos EUA e da Rússia não convivem no mesmo espaço, embora dividam a Base Aérea 101 no Aeroporto Internacional de Niamey, a capital nacional.

A situação é delicada, dado o distanciamento crescente entre os governos dos dois países em meio à guerra da Ucrânia. Diante de tal cenário, o secretário de Defesa Lloyd Austin confirmou a situação nesta sexta-feira (3). Segundo o jornal The Moscow Times, ele minimizou o caso e disse que a presença dos russos no mesmo local não expõe o aparato norte-americano.

“Os russos estão num complexo separado e não têm acesso às forças dos EUA ou ao nosso equipamento”, disse ele. “Neste momento, não vejo aqui um problema significativo em termos de proteção da nossa força.”

As forças russas desembarcaram no Níger em abril, levando com elas um sistema de defesa antiaérea entre muitos outros equipamentos de uso militar. A presença deles na nação africana é parte do acordo firmado entre o general Abdourahamane Tchiani, que lidera o governo militar nigerino, e o presidente da Rússia, Vladimir Putin.

Vitória russa

As Forças Armadas dos EUA ainda não anunciaram como será feita a retirada de seu cerca de mil soldados do país. O general Michael Langley, comandante das forças do país na África, diz que negociações estão sendo conduzidas nesse sentido.

Na visão de Washington, a retirada das tropas criará problemas para o combate ao terrorismo no continente africano, pois o Níger é considerado um ponto estrategicamente importante. A Base Aérea 101 garante aos soldados uma posição segura para operar no continente, com acesso a países onde a ação extremista é mais intensa, como os vizinhos Mali e Burkina Faso.

A situação já havia se complicado após a expulsão das tropas da França, país que igualmente perdeu a concorrência com a Rússia. A aliança de Moscou com as nações africanas, entretanto, não se faz através das Forças Armadas regulares, e sim de de mercenários. O Wagner Group foi quem primeiro se estabeleceu no continente, mas vem sendo desfeito desde a morte de seu líder, Evgeny Prigozhin.

Outros grupos surgiram nos mesmos moldes, e quem melhor se posiciona para assumir o espólio do antecessor é uma organização paramilitar privada chamada “The Africa Corps“, atrelada ao Ministério da Defesa russo, embora não seja integrada às Forças Armadas.

O porta-voz militar do Níger, coronel major Amadou Abdramane, confirmou a parceria com a Rússia, mas diz que ela foi negociada “sob uma base estatal, conforme acordos de cooperação militar assinados com o governo anterior (pré-golpe), para adquirir equipamento militar necessário à sua luta contra os terroristas que fizeram milhares de vítimas nigerinas inocentes sob o olhar indiferente de grande parte da comunidade internacional.”

Para Moscou, a África representa ainda uma fonte de renda crucial, conforme o país se afoga nos gastos com a guerra da Ucrânia. A Rússia faturou, somente desde o início do conflito, US$ 2,5 bilhões com ouro de países africanos.

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