Diretor do Teatro Bolshoi admite ter censurado obras de autores antiguerra

Veto se deve ao alinhamento com o regime e ao temor de que a imagem da casa fosse prejudicada por apoiar os opositores

Vladimir Urin, diretor do Teatro Bolshoi, admitiu nesta semana que autores que eventualmente tenham se manifestado contra a guerra da Ucrânia, desencadeada pela invasão russa em 24 de fevereiro de 2022, tiveram suas peças tiradas de cartaz na tradicional casa de Moscou. Ele fez a confissão em entrevista ao jornal Rossiyskaya Gazeta.

“Quando certos criadores de performances falaram muito claramente sobre a operação especial… neste caso, seus nomes desapareceram dos cartazes”, disse ele, usando o eufemismo imposto pelo Kremlin para se referir ao conflito iniciado pela agressão da Rússia.

Putin (esquerda) e Urin:aliados (Foto: Serviço de imprensa do Presidente da Federação Russa)

Segundo Urin, a censura não se deve apenas ao alinhamento do Bolshoi com o regime de Vladimir Putin, que impôs uma dura repressão contra aqueles que se posicionam contra o conflito. Também pesou para a decisão a “onda de cartas indignadas e outras declarações” contrárias aos autores e suas obras, o que viria, segundo ele, a prejudicar a imagem do teatro.

“A sociedade está agora verdadeiramente polarizada. E muitas vezes as pessoas ficam sinceramente indignadas com uma coisa ou outra”, afirmou Urin. “Nada mudou em termos de interesse pelo teatro ou de ocupação do auditório. Porém, hoje a reação do público tem um grau de percepção diferente mesmo daquelas apresentações a que já estamos acostumados.”

Repressão na Rússia

A censura imposta por Urin evidencia o alinhamento dele com a política do Kremlin, que ampliou a perseguição aos dissidentes desde o início da guerra. Dali em diante, novos mecanismos legais foram colocados à disposição do Estado para silenciar os críticos, com destaque para uma lei do início de março do ano passado que pune quem “desacredita o uso das forças armadas”.

Dentro dessa severa legislação, os detidos têm que pagar multas que chegam a 300 mil rublos (R$ 22 mil). A pena mais rigorosa é aplicada por divulgar “informações sabidamente falsas” sobre o exército e a “operação militar especial” na Ucrânia, que é como o governo descreve a guerra. A reclusão pode chegar a 15 anos.

Desde o início da guerra, a ONG OVD-Info, que monitora a repressão na Rússia, reportou quase 20 mil detenções em protestos em todo o país. Cerca de 15 mil foram registradas no primeiro mês de guerra. Depois, houve um pico entre setembro e outubro, pouco depois da mobilização parcial de reservistas imposta pelo governo. A repressão, porém, mostrou resultado, e a partir de dezembro de 2022 as detenções tornaram-se raras.

Como fica claro pelo caso do Bolshoi, artistas não escapam da perseguição. Algumas figuras populares inclusive optaram por deixar o país, como o rapper Oxxxymiron, que teve o nome inserido na lista de “agentes estrangeiros” pelo fato de ter se manifestado contra a guerra.

Ainda em março de 2022, o músico, que classificou a agressão como “uma catástrofe e um crime”, cancelou uma turnê que faria pela Rússia, deixou o país e então passou a realizar shows de protesto em diversos lugares, como TurquiaAlemanha e Reino Unido. Parte da renda das apresentações no exterior, intituladas “Russos Contra a Guerra”, foi dedicada a apoiar vítimas do conflito.

Outra figura bastante popular rotulada por Moscou foi o escritor Dmitry Glukhovsky, autor do livro de ficção Metro 2033 (editora Planeta), que deu origem a um popular jogo de videogame. Ele foi julgado e condenado à revelia sob a acusação de “desacreditar as forças armadas“.

Em junho do ano passado, após a condenação e considerando o fato de que o escritor possivelmente não está na Rússia atualmente, o Kremlin inseriu nome dele em uma lista de criminosos procurados do Ministério do Interior. Em agosto deste ano foi anunciada a sentença referente àquela condenação à revelia: oito anos de prisão.

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