O rapper russo Oxxxymiron, um dos mais populares de seu país, realizou na terça-feira (15) um show beneficente com todos os ingressos vendidos em Istambul, na Turquia. O concerto, o primeiro de uma série a ser realizada em diversos países, é uma forma de o artista protestar contra a guerra na Ucrânia, de acordo com o jornal independente The Moscow Times.
O show na Turquia, em um pequeno palco de um clube localizado em um porão, teve público de cerca de 400 pessoas, muitas delas cidadãos russos que deixaram seu próprio país em função do conflito. No palco, atrás do artista, apenas uma alegoria: um cartaz com a frase “Russos contra a guerra”, que batiza a turnê do artista.
O dinheiro arrecadado no show em Istambul, segundo o rapper, seria todo destinado a uma organização de caridade polonesa que tem dado suporte a crianças russas refugiadas. A apresentação beneficente seguinte será realizada no dia 24 de março, na casa de shows O2 Shepherd’s Bush Empire, em Londres. Igualmente, a renda será destinada a apoiar refugiados ucranianos.
Pouco depois de a guerra explodir, com a invasão da Ucrânia por tropas russas, Oxxxymiron foi um dos poucos artistas da Rússia a contestar a agressão. À época, ele usou os stories do Instagram para anunciar que, em represália, cancelou shows marcados para Moscou e São Petesburgo, ambos com ingressos esgotados.
“Não posso entretê-los quando mísseis russos estão caindo sobre a Ucrânia”, disse ele à época, chamando a invasão de “catástrofe e crime”.
Segundo o próprio rapper, realizar shows no exterior é a única alternativa de um artista que quer protestar contra a guerra, devido à dura repressão das autoridades russas dentro do país. “A censura total foi implementada, e qualquer um que se manifeste contra a guerra de qualquer forma se torna um alvo potencial para processos criminais”, disse ele.
Refugiados russos
Desde o início da guerra, no dia 24 de fevereiro, há um grande movimento de cidadãos que optaram por deixar a Rússia. São indivíduos decepcionados com a eclosão da guerra, cansados da crescente repressão imposta pelo governo Putin a seus cidadãos e com medo dos efeitos das duras sanções econômicas anunciadas ou prometidas pelas nações ocidentais.
“Acabamos de chegar aqui há uma semana porque não nos sentimos seguros na Rússia”, disse Seva, que acompanhou o show com a namorada em Istambul. “Talvez metade dos meus amigos tenha se mudado para a Geórgia, Armênia e Turquia. São especialistas em TI, pessoas em profissões criativas… Todos que podem trabalhar online estão se mudando”.
A censura e a repressão aos oposicionistas na Rússia são bem anteriores à guerra, mas aumentaram desde que o exército russo atacou a Ucrânia. No início de fevereiro, o Poder Legislativo do país aprovou um projeto de lei que criminaliza a distribuição do que o governo vier a considerar “notícias falsas” sobre operações militares russas.
De acordo com o texto legal, passa a ser proibido publicar conteúdo “contra o uso de tropas russas para proteger os interesses da Rússia” ou “para desacreditar tal uso”, o que prevê uma pena de até três anos de prisão. A mesma punição se aplica àqueles que venham a pedir sanções à Rússia.
Ir às ruas contestar o conflito também rende prisão. O número de detenções registradas durante atos contrários à ofensiva russa no país vizinho subiu é de quase 15 mil, de acordo com a ONG OVD-Info.
“Não concordamos com a posição do governo por causa da guerra e do bombardeio da Ucrânia. Conhecemos algumas pessoas que estão lá agora”, disse Ksenia, que também trocou a Rússia por Istambul e estava no show. “Há também uma sensação de que a Rússia terá uma ditadura militar”, acrescentou Kostya, o namorado dela.
Por que isso importa?
A escalada de tensão entre Rússia e Ucrânia, que culminou com a efetiva invasão russa ao país vizinho no dia 24 de fevereiro, remete à anexação da Crimeia pelos russos, em 2014, e à guerra em Donbass, que começou naquele mesmo ano e se estende até hoje.
O conflito armado no leste da Ucrânia opõe o governo central às forças separatistas das autodeclaradas Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk, que formam a região de Donbass e foram oficialmente reconhecidas como territórios independentes por Moscou. Foi o suporte aos separatistas que Putin usou como argumento para justificar a invasão, classificada por ele como uma “operação militar especial”.
“Tomei a decisão de uma operação militar especial”, disse Putin pouco depois das 6h de Moscou (0h de Brasília) de 24 de fevereiro, de acordo com o site independente The Moscow Times. Cerca de 30 minutos depois, as primeira explosões foram ouvidas em Kiev, capital ucraniana, e logo em seguida em Mariupol, no leste do país, segundo a agência AFP.
Desde o início da ofensiva, as forças da Rússia caminham para tentar dominar Kiev, que tem sido alvo de constantes bombardeios. O governo da Ucrânia e as nações ocidentais acusam Moscou de atacar inclusive alvos civis, como hospitais e escolas, o que pode ser caracterizado como crime de guerra ou contra a humanidade.
Fora do campo de batalha, o cenário é desfavorável à Rússia, que tem sido alvo de todo tipo de sanções. Além das esperadas punições financeiras impostas pelas principais potencias globais, que já começaram a sufocar a economia russa, o país tem se tornado um pária global. Representantes russos têm sido proibidos de participar de grandes eventos em setores como esporte, cinema e música.
De acordo com o presidente dos EUA, Joe Biden, as punições tendem a aumentar o isolamento da Rússia no mundo. “Ele não tem ideia do que está por vir”, disse o líder norte-americano, referindo-se ao presidente russo Vladimir Putin. “Putin está agora mais isolado do mundo do que jamais esteve”.