Não é só a Rússia que sofre com a escassez de soldados e por isso recorre a métodos questionáveis para abastecer suas Forças Armadas com mais mão de obra. A situação é idêntica na Ucrânia, que inclusive repete algumas iniciativas do inimigo e gera insatisfação entre a própria população.
Em maio, o parlamento ucraniano aprovou um projeto de lei que permite às Forças Armadas convocar criminosos condenados para lutar. O recrutamento já está em vigor, e cerca de três mil indivíduos aceitaram defender o país em troca de perdão por seus crimes, segundo a agência Associated Press (AP).
Um processo que foi igualmente adotado pelo Kremlin, embora com algumas diferenças, evidenciando o desafio enfrentado pelos dois países para manter o efetivo de suas Forças Armadas após mais de dois anos de conflito.
Se na Rússia a medida permitia que quase todos os criminosos fossem libertados em troca do serviço militar, na Ucrânia há regras um pouco mais rígidas. Não estão autorizados aqueles que foram sentenciados por crimes como homicídio doloso contra duas ou mais pessoas, violência sexual, crimes contra a segurança nacional e outras ofensas consideradas graves pelo Código Penal ucraniano.
Um cálculo feito pelo Ministério da Justiça da Ucrânia fala em 27 mil presos elegíveis, dentro de uma população carcerária estimada em 42 mil pessoas. Além dos três mil que já aceitaram deixar a cadeia para lutar, o governo espera que outros dois mil detentos façam a adesão ao programa, totalizando cinco mil novos soldados à disposição.
“Grande parte da motivação vem do desejo de voltar para casa como heróis, não de sair da prisão”, disse a vice-ministra da Justiça Olena Vysotska.
Para lutar, os presos passam por um processo de triagem e recebem a liberdade condicional, que será cumprida com o serviço militar. Eles, então, recebem um treinamento básico de manuseio de armas antes de seguir para seus destacamentos militares, onde é concluída a preparação.
Falta de mão de obra militar
O jornal The Washington Post afirmou, no final de abril, que Kiev estimava em 31 mil o número de soldados mortos na guerra contra a Rússia. O número foi considerado muito conservador por serviços de inteligência ocidental, que projetam perdas duas vezes mais altas.
Seja qual for a estatística real, ela impacta duramente na guerra, e a escassez de mão de obra militar gera medidas diversas para ampliar o efetivo. Em março, o presidente Volodymyr Zelensky aprovou a redução da idade mínima para servir às Forças Armadas, que caiu de 27 para 25 anos.
Paralelamente, Zelensky vem pressionando os países europeus para que forcem o retorno à Ucrânia de refugiados em idade de alistamento. A Eurostat, agência estatística da União Europeia (UE), estima que cerca de 768 mil homens ucranianos entre 18 e 64 anos foram abrigados por países do bloco durante a guerra, um número bastante atrativo para as Forças Armadas.
Na tentativa de atrair os ucranianos para lutar, um legislador, que pediu anonimato, citou um problema: os benefícios reduzidos oferecidos pelo governo, tanto aos soldados ativos quanto aos familiares daqueles que perdem a vida no campo de batalhas.
Melhorar os benefícios oferecidos aos combatentes faz parte da estratégia de Zelensky, que colocou em vigor outra lei em maio. O texto legal, entretanto, incomoda parte da população, pois o objetivo principal é facilitar a identificação de cidadãos passíveis de recrutamento, de acordo com a AP.
A falta de perspectiva de liberação também é questionada. Inicialmente, o recrutamento teria validade de 36 meses, mas as autoridades militares consideraram o prazo arriscado e ele foi apagado. Mais uma medida que incomodou a população e espanta possíveis candidatos, apreensivos quanto à falta de perspectiva de voltar para casa.
“Vemos tantas mortes e tantos feridos”, disse o legislador ouvido pelo The Washington Post. “Se eles (os soldados) forem, querem saber quanto tempo ficarão lá.”
Os desertores, por sua vez, vêm sendo punidos mais severamente, com multas até cinco vezes mais altas que as previstas anteriormente. A Suprema Corte da Ucrânia afirmou à AP em maio que 930 pessoas foram condenadas em 2023 por faltar com suas obrigações militares, número cinco vezes superior ao do ano anterior.