Justiça russa cassa licença de jornal independente impulsionado por Gorbachev

Novaya Gazeta, que no início recebeu financiamento do ex-líder soviético, era alvo do Kremlin por denunciar a corrupção no governo

Uma decisão da Justiça da Rússia determinou a cassação da licença do jornal independente Novaya Gazeta, o que determina o fim definitivo das operações da publicação no país. O periódico tem como editor chefe Dmitry Muratov, que venceu o Nobel da Paz por sua militância pela liberdade de imprensa. As informações são da rede Radio Free Europe.

O pedido de cassação da licença do jornal foi feito pelo Roskomnadzor, órgão regulador da mídia na Rússia. A acusação é a de que o Novaya Gazeta deixou de fornecer ao governo documentos cruciais para se manter ativo. Muratov contestou a alegação, dizendo tratar-se de uma “decisão puramente política, não há base legal para isso”.

O Novaya Gazeta era um dos últimos veículos independentes em atividade na Rússia, embora enfrentasse há tempos uma série de desafios para manter suas operações. No final de março deste ano, o jornal havia anunciado a suspensão temporária de suas atividades em virtude da censura estatal em meio à guerra na Ucrânia.

O periódico disse na ocasião que recebeu advertências do governo de que seria alvo de ações judiciais que poderiam ocasionar sua extinção caso mantivesse a linha editorial independente. Então, em abril, decidiu abrir uma edição europeia sediada em Riga, na Letônia, e totalmente desvinculada da edição russa.

Dmitry Muratov, Nobel da Paz e editor-chefe do Novaya Gazeta (Foto: Michał Siergiejevicz/Flickr)
Por que isso importa?

O Novaya Gazeta foi criado em 1993, dois anos após a dissolução da União Soviética. Na ocasião, contou com financiamento do ex-líder soviético Mikhail Gorbachev, vencedor do Nobel da Paz pelo papel crucial para encerrar a Guerra fria. Ele teria investido no jornal parte do dinheiro proveniente do prêmio.

Nos últimos anos, sob Vladimir Putin, o Novaya tornou-se um dos principais alvos do Kremlin em sua cruzada contra a mídia independente, punido pelas reportagens investigativas e combativas denunciando a corrupção reinante na elite russa e no governo.

A violência também faz parte da rotina dos jornalistas do veículo, que teve seis colaboradores mortos desde 2001. Uma delas foi Anna Politkovskaya, assassinada em 2006 após denunciar abusos em conflitos na Chechênia, a sul da Rússia.

Em outros ataques, a equipe de reportagem recebeu a cabeça de um carneiro e uma coroa de flores do lado de fora da redação, uma mensagem ameaçadora cujo objetivo claro era silenciar as reportagens. Os jornalistas também já receberam envelopes com um pó branco que não foi identificado, e uma suspeita de ataque químico à redação ocorreu em março do ano passado.

Coincidentemente, o jornal teve sua licença cassada pela Justiça da Rússia poucos dias depois da morte de Gorbachev, que ocorreu no dia 30 de agosto.

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