Mulheres e crianças se tornam vulneráveis ao tráfico humano em meio à guerra na Ucrânia

Autoridades e organizações humanitárias falam em crescimento alarmante de casos em Palanca, na fronteira da Ucrânia com a Moldávia

Autoridades ucranianas e organizações internacionais têm alertado para o número crescente de mulheres e crianças vulneráveis ao tráfico humano em Palanca, na fronteira da Ucrânia com a Moldávia, por onde centenas de milhares de refugiados já passaram desde o início da invasão russa. As informações são da rede CNN.

Várias entidades humanitárias que atuam na resposta ao conflito relatam que casos de comportamento suspeito visando expatriados, principalmente mulheres, têm aumentado vertiginosamente na região fronteiriça. Entre as situações mais impactantes, a de um homem que tentou atrair gestantes com uma falsa oferta de moradia.

Mulheres e criança atravessam o posto fronteiriço de Palanca em março de 2022 (Foto: UN Women/Flickr)

Este e outros casos foram descritos por Yana Tovpeko, que integra uma equipe da Voice, organização sem fins lucrativos voltada a proteger mulheres e meninas da violência em zonas de conflito, crise e desastres.

“Muitas pessoas tentam ajudar. Algumas são voluntárias, outras são apenas pessoas aleatórias oferecendo uma carona e isso pode ser um problema”, disse ela. “Uma mulher com bagagem pesada, com filhos, precisa de ajuda. Se alguém oferece transporte, pode ser uma situação potencialmente perigosa”.

Foi o que aconteceu no caso do homem que ofereceu ajuda às gestantes. Yana relatou que um homem entrou em um abrigo oferecendo alojamento para mulheres grávidas, dizendo ter condições para abrigar até dez delas. Os assistentes sociais acompanharam as futuras mães interessadas e tiveram uma surpresa ao chegar no suposto refúgio: o local não tinha suprimentos e quase nenhuma infraestrutura necessária.

“E, quanto mais a crise dura, mais as pessoas ficam desesperadas”, disse Mendy Marsh, cofundadora e diretora executiva da Voice.

Segundo ela, no início de uma crise, há aqueles com mais mobilidade e melhores conexões, por exemplo, para chegar à Polônia. Mas também há os mais pobres, que só conseguem se locomover dentro do país e estão se mudando à medida que as forças russas avançam.

Dados da Acnur (Agência da ONU para Refugiados) indicam que mais de 5,9 milhões de pessoas fugiram da Ucrânia desde que Vladimir Putin ordenou a incursão do seu exército no país. A maioria mulheres e crianças, muitas delas em situação de extrema vulnerabilidade.

A condição desses refugiados foi o que fez os números chegarem a um quadro alarmante, segundo Pramila Patten, representante Especial das Nações Unidas sobre Violência Sexual em Conflitos. Foi ela quem alertou no mês passado que a crise humanitária estava “se transformando rapidamente em um tráfico humano no qual mulheres e crianças estão sendo exploradas”.

“Não é novidade”

O tráfico humano, por ser um grave e histórico problema na Moldávia, onde milhares de pessoas são “vendidas” anualmente, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística do país, não chega a ser novidade. As principais vítimas são mulheres, segundo relata o livro Bessarabian Nights, da escritora moldava Stela Brinzeanu, que geralmente vão parar em casas de prostituição na Turquia, Rússia, Chipre e Emirados Árabes Unidos.

“A Moldávia já tinha um sério problema com serviços sociais, serviços de proteção para crianças, vítimas de abuso doméstico e vítimas de violência de gênero”, disse Ilija Talev, vice-representante do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) na Moldávia. “A crise aumentou o problema e também tornou a resposta mais cara”.

Para tentar estancar a violência, o Memoria, um centro de reabilitação moldavo para vítimas de tortura, violência e outros tratamentos desumanos ou degradantes, tem se desdobrado para oferecer assistência médica, psicológica e aconselhamento às vítimas. No local, uma equipe de nove mulheres costumava atender de cinco a seis clientes por dia antes da guerra. Hoje, a média é de 80, a maioria ucranianas.

Por que isso importa?

Segundo a ONU Mulheres, mulheres e meninas representam 90% dos deslocados na Ucrânia. De acordo com a diretora-geral, Simas Bahous, as ucranianas estão “expostas a riscos relacionados ao gênero, como tráfico humano, violência sexual e acesso impedido a serviços e bens essenciais”.

Em abril, Simas relatou uma viagem à Moldávia na qual testemunhou ônibus cheios de mulheres e crianças ansiosas e exaustas sendo recebidas na fronteira ucraniana por trabalhadores da sociedade civil compassivos. À época, ela também citou um ataque a uma estação de trem em Kramatorsk, em 8 de abril, que matou dezenas de mulheres e crianças que aguardavam evacuação da Ucrânia, alertando sobre mais um “trauma que poderia destruir uma geração”.

Já Kateryna Cherepakha, presidente da organização La Strada-Ucrânia, alertou que, ao buscarem evacuação, mulheres ucranianas desarmadas carregando crianças têm sido brutalmente mortas por tropas russas, apontando para ataques a maternidades, jardins de infância e abrigos em Mariupol.

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