Queima do Alcorão na Suécia motivou ataque terrorista na Bélgica, segundo autoridades

Dois suecos foram mortos por atirador que citou como motivação a queima do livro sagrado dos muçulmanos em protestos

O ataque terrorista que matou dois cidadãos suecos na segunda-feira (16) em Bruxelas, na Bélgica, está diretamente ligado aos episódios de queima do Alcorão, o livro sagrado dos muçulmanos, na Suécia. A revelação foi feita por autoridades com base em vídeos divulgados pelo extremista, morto pela polícia horas depois de assassinar dois cidadãos suecos. As informações são da agência Associated Press (AP).

Nos vídeos publicados na internet antes do ataque, o homem se identificou como Abdesalem Al Guilani e disse ter se inspirado no Estado Islâmico (EI). Segundo autoridades, nas imagens ele diz também que o Alcorão é “uma linha vermelha” pela qual estaria “pronto para se sacrificar.”

O primeiro-ministro sueco Ulf Kristersson confirmou tal análise durante entrevista coletiva concedida em Estocolmo. “Tudo indica que se trata de um ataque terrorista contra a Suécia e cidadãos suecos, só porque são suecos”, disse ele.

Segundo a agência Reuters, o agressor era cidadão tunisiano e chegou a buscar asilo na Bélgica em 2019, sem sucesso, vivendo no país ilegalmente desde então. O ministro da Justiça Vincent Van Quickenborne afirmou que ele era conhecido da polícia por ligação com quadrilhas especializadas no tráfico de pessoas.

Rasmus Paludan queima o Alcorão em Copenhague (Foto: Funk Monk/WikiCommons)
O atentado

O ataque de segunda-feira foi filmado, com diversos vídeos circulando na internet. Eles mostram um indivíduo vestindo blusa laranja e portando um rifle, que desce de uma moto e dispara algumas vezes. Depois, ele segue algumas pessoas para dentro de um prédio e faz novos disparos.

Os suecos estavam em Bruxelas para um jogo de futebol entre Bélgica e Suécia válido pelas Eliminatórias da Eurocopa 2024, o campeonato europeu da modalidade. A partida foi suspensa no intervalo, quando os atleta das duas seleções tomaram conhecimento do ataque e optaram por não voltar ao gramado.

Três vítimas foram confirmadas, duas delas fatais. Uma terceira foi ferida, levada ao hospital e está fora de risco. O terrorista conseguiu fugir, dando início a uma caçada humana. Mais tarde, foi identificado por uma pessoa que alertou as autoridades. Cercado, foi morto pelas forças de segurança belgas.

“O perpetrador tinha como alvo especificamente torcedores suecos que estavam em Bruxelas para assistir a uma partida de futebol dos Red Devils (apelido da seleção belga). Dois compatriotas suecos faleceram. Uma terceira pessoa está se recuperando de ferimentos graves”, disse o primeiro-ministro belga Alexander De Croo, segundo a Reuters.

A queima do Alcorão

Em agosto, a Suécia havia elevado ao segundo nível mais alto seu alerta nacional para o risco de ataques terroristas no país, situação impulsionada pelos protestos que incluíram a queima do Alcorão. Pela mesma razão, os governos dos Estados Unidos e do Reino Unido alertaram na ocasião seus cidadãos para o risco aumentado de ataques no país escandinavo.

A Suécia tornou-se um alvo de especial interesse dos terroristas islâmicos devido a protestos que ocorrem no país, que costuma permitir a queima do Alcorão sob o argumento da liberdade de expressão. O ato foi idealizado pelo político dinamarquês-sueco radical Rasmus Paludan, que ateou fogo no livro sagrado do Islã do lado de fora da embaixada turca em Estocolmo em janeiro.

Desde então, seguidos episódios semelhantes de profanação das escrituras sagradas foram registrados, levando a reações duras de nações muçulmanas. Incluindo um ataque à embaixada da Suécia no Iraque, que foi incendiada em julho.

Por que isso importa?

O EI, que inspirou o ataque em Bruxelas, passa por um processo de enfraquecimento que começou com a derrota da organização em seus dois principais redutos. No Iraque, o exército iraquiano retomou todos os territórios que o grupo dominava desde 2014. Já as FDS (Forças Democráticas Sírias), uma milícia curda apoiada pelos EUA, anunciaram em 2019 o fim do “califado” criado pela facão extremista na Síria.

De acordo com relatório divulgado em agosto de 2023 pela ONU (Organização das Nações Unidas), o EI “continua a comandar entre cinco mil e sete mil membros em todo o Iraque e na República Árabe da Síria, a maioria dos quais combatentes.” No entanto, “adotou deliberadamente uma estratégia para reduzir os ataques, a fim de facilitar o recrutamento e a reorganização.”

Atualmente, a maioria dos líderes do EI permanece no noroeste da Síria, mas “o grupo realocou algumas figuras-chave para outros lugares.” Um continente de forte presença da organização é a África, com afiliados locais representando uma ameaça constante aos governos da região.

Um desses afiliados é o Estado Islâmico no Grande Saara (EIGS), que ampliou sua área de atuação, com aumento de ataques no Mali e, em menor escala, em Burkina Faso e no Níger. Recentemente, tem feito esforços para estabelecer “um corredor para a Nigéria para fins logísticos, de abastecimento e recrutamento, possivelmente em colaboração com o ISWAP” (Estado Islâmico da África Ocidental).

A avaliação da equipe de monitoramento da ONU, entregue ao Conselho de Segurança no final de julho, surge em meio a mais um momento crucial da luta contra o terrorismo. Desde fevereiro de 2022, o EI sofreu diversos duros golpes, com três líderes da organização mortos em operações de combate ao terrorismo.

O mais recente deles foi Abu al-Hussein al-Husseini al-Qurashi, morto em abril. O governo turco reivindicou a ação, embora a própria organização terrorista alegue que o comandante morreu em confronto com o Hayat Tahrir Al-Sham (HTS), uma organização extremista associada à Al-Qaeda e listada pelo governo norte-americano como terrorista.

“Apesar do progresso feito no direcionamento de suas operações financeiras e quadros de liderança, a ameaça representada pelo Daesh (sigla árabe para se referir ao grupo) e suas afiliadas regionais permaneceu alta e dinâmica nas amplas áreas geográficas onde está presente”, diz o relatório, citando a África como uma região de particular preocupação.

Terrorismo no Brasil

Episódios recentes mostram que o Brasil é visto como porto seguro pelos extremistas. Em dezembro de 2013, levantamento do site The Brazil Business indicava a presença de ao menos sete organizações terroristas no Brasil: Al-Qaeda, Jihad Media Battalion, Hezbollah, Hamas, Jihad Islâmica, Al-Gama’a Al-Islamiyya e Grupo Combatente Islâmico Marroquino.

Em 2001, uma investigação da revista Veja mostrou que 20 membros terroristas de Al-Qaeda, Hamas e Hezbollah viviam no país, disseminando propaganda terrorista, coletando dinheiro, recrutando novos membros e planejando atos violentos.

Em 2016, duas semanas antes do início dos Jogos Olímpicos no Rio, a PF prendeu um grupo jihadista islâmico que planejava atentados semelhantes aos dos Jogos de Munique em 1972. Dez suspeitos de serem aliados ao Estado Islâmico foram presos e dois fugiram.

Mais recentemente, em dezembro de 2021, três cidadãos estrangeiros que vivem no Brasil foram adicionados à lista de sanções do Tesouro Norte-americano. Eles são acusados de contribuir para o financiamento da Al-Qaeda, tendo inclusive mantido contato com figuras importantes do grupo terrorista.

Para o tenente-coronel do exército brasileiro André Soares, ex-agente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), os recentes anúncios do Tesouro causam “preocupação enorme”, vez que confirmam a presença do país no mapa das organizações terroristas islâmicas.

“A possibilidade de atentados terroristas em solo brasileiro, perpetrados não apenas por grupos extremistas islâmicos, mas também pelo terrorismo internacional, é real”, diz Soares, mestre em operações militares e autor do livro “Ex-Agente Abre a Caixa-Preta da Abin” (editora Escrituras). “O Estado e a sociedade brasileira estão completamente vulneráveis a atentados terroristas internacionais e inclusive domésticos, exatamente em razão da total disfuncionalidade e do colapso da atual estrutura de Inteligência de Estado vigente no país”. Saiba mais.

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