Rússia cometeu crimes de guerra na Ucrânia, afirma relatório publicado pelas Nações Unidas

Documento destaca abusos como ataques a civis e infraestrutura de energia, homicídio, tortura, estupro e deportações de crianças

As autoridades da Rússia são efetivamente responsáveis por crimes de guerra cometidos na Ucrânia. É o que afirma um relatório divulgado nesta quinta-feira (16) pela ONU (Organização das Nações Unidas), fruto do trabalho de uma Comissão Internacional Independente de Inquérito que esteve no país devastado pelo conflito.

“Os crimes de guerra incluem ataques a civis e infraestrutura relacionada à energia, homicídios dolosos, confinamento ilegal, tortura, estupro e outras violências sexuais, bem como transferências ilegais e deportações de crianças”, diz o documento, que acrescenta. “Em áreas sob seu controle, as autoridades russas cometeram assassinatos deliberados de civis ou pessoas não envolvidas em combates (hors de combat), que são crimes de guerra e violações do direito à vida”.

Com o filho Vladymyr, Svetlana visita o túmulo do marido morto na guerra (Foto: Diego Sanchez/(Unicef)

No caso dos ataques contra civis, eles são realizados principalmente com armas explosivas em áreas populosas, algo que já havia sido destacado em relatórios anteriores. Um balanço divulgado na semana passada afirma que 8.173 mortes de civis foram registradas na guerra, além de 13.620 feridos. Os números reais, porém, tendem a ser bem maiores devido à subnotificação.

Os casos de violência sexual também têm se acumulado desde o início da guerra. O relatório destaca que muitos dos estupros constatados foram “cometidos por autoridades russas quando realizavam visitas de casa em casa em localidades sob seu controle e durante o confinamento ilegal”.

Já a tortura e o confinamento ilegal muitas vezes ocorrem de forma conjunta. Como o caso de um ucraniano que foi detido e espancado pelas tropas invasoras como “castigo por falar ucraniano” e por “não se lembrar da letra do hino da Federação Russa”.

Entre os inúmeros crimes citados no documento, um que tem gerado intenso debate atualmente é a transferência forçada de crianças ucranianas para a Rússia.

“Testemunhas disseram à Comissão que muitas das crianças mais novas transferidas não conseguiram estabelecer contato com suas famílias e podem perder o contato com elas indefinidamente. O atraso no repatriamento de civis também pode constituir um crime de guerra”, diz o relatório.

Em fevereiro, um estudo do Laboratório de Pesquisa Humanitária (HRL) da Universidade de Yale revelou que ao menos seis mil crianças ucranianas deslocadas pela guerra vêm sendo mantidas pelo governo russo em campos de reeducação espalhados por diversas regiões da Ucrânia e da Rússia. Kiev diz que o número de vítimas é maior, por volta de 16 mil menores.

As crianças passam por um processo de reeducação pró-Rússia, inclusive com a aplicação de treinamento militar. Os menores invariavelmente são impedidos de retornar à Ucrânia para se juntar aos familiares, com casos extremos de crianças entregues para adoção.

No início desta semana, o jornal The New York Times revelou que o Tribunal Penal Internacional (TPI) já se prepara para emitir os primeiros mandados de prisão internacionais contra autoridades russas acusadas de crimes de guerra, citando especificamente o rapto de menores. Entre os alvos dos mandados estariam altas figuras do governo russo, talvez até o presidente Vladimir Putin.

As ordens de prisão também seriam direcionadas aos responsáveis por ataques à estrutura elétrica da Ucrânia, o que deixou milhões de pessoas sem eletricidade ou aquecimento em meio às temperaturas congelantes do inverno.

A ONU destaca ainda que “também documentou um pequeno número de violações cometidas pelas forças armadas ucranianas”. Cita “prováveis ​​ataques indiscriminados” e “dois incidentes qualificados como crimes de guerra, em que prisioneiros de guerra russos foram baleados, feridos e torturados”.

A Comissão Internacional Independente é formada por três pessoas: o norueguês Erik Mose, especialista em direitos humanos e ex-juiz da Corte Europeia de Direitos Humanos e da Suprema Corte da Noruega; a bósnia Jasminka Dzumhur, doutora em Direito e Provedora de Direitos Humanos da Bósnia e Herzegovina; e o colombiano Pablo de Greiff, PhD em teoria política.

Eles visitaram 56 localidades na Ucrânia, analisaram armas usadas na guerra e documentos e fizeram entrevistas com 348 mulheres e 247 homens. Entre os locais visitados estão alvos de bombardeios russos, sepulturas e centros de detenção e tortura.

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