Rússia mantém milhares de crianças ucranianas em campos de reeducação, aponta estudo

Impedidos de retornar ao convívio dos familiares, menores passam até por treinamento militar, com alguns deles colocados para adoção

Ao menos seis mil crianças ucranianas deslocadas pela guerra vêm sendo mantidas pelo governo russo em campos de reeducação espalhados por diversas regiões da Ucrânia e da Rússia. Impedidas de retornar ao convívio dos familiares, elas passam até por treinamento militar, com algumas colocadas para adoção. A denúncia consta de um estudo do Laboratório de Pesquisa Humanitária (HRL) da Universidade de Yale. Os abusos relatados podem configurar crimes de guerra.

Foram identificadas 43 instalações usadas por Moscou para abrigar os menores ucranianos, cujas idades variam entre quatro meses e 17 anos. “Na sua maioria, são acampamentos recreativos onde as crianças são levadas para férias ostensivas, enquanto outras são instalações usadas para abrigar crianças colocadas em um orfanato ou para adoção na Rússia”, diz o documento.

Há indícios de que as crianças passam por um processo de reeducação pró-Rússia, inclusive com a aplicação de treinamento militar. Os menores ali mantidos invariavelmente são impedidos de retornar à Ucrânia para se juntar aos familiares.

Embora o Laboratório tenha conseguido identificar seis mil crianças e 43 instalações, afirma no estudo que os números reais tendem a ser “significativamente” maiores em ambos os casos. A maioria dos campos listados está na Crimeia, região ucraniana ocupada pela Rússia desde 2014. Mas alguns deles ficam em território russo, como as cidades de Moscou, Kazan e Ecaterimburgo.

Família evacuada de Irpin, região de Kiev, Ucrânia, março de 2022 (Foto: Julia Kochetova/Unicef)

“O objetivo principal dos campos parece ser a reeducação política”, diz o relatório. Em 78% desses locais, as crianças são expostas a experiências acadêmicas, culturais, patrióticas e educação militar. “Vários campos endossados ​​pela Federação Russa são anunciados como ‘programas de integração’, com o aparente objetivo de integrar crianças da Ucrânia à visão do governo russo sobre a cultura nacional, história e sociedade”.

Reforçando uma denúncia antiga feita inclusive pela ONU (Organização das Nações Unidas), o estudo cita o caso de crianças supostamente órfãs colocadas para viver com famílias adotivas na Rússia. “Vinte crianças desses campos foram colocadas com famílias no oblast de Moscou e matriculadas em escolas locais”, afirma o documento.

Crimes de guerras

Muitas das crianças foram levadas aos acampamentos com o consentimento dos familiares, que teria sido obtido sob coação. Há ainda alegações de que elementos específicos do acordo foram violados, como o prazo de permanência e os procedimentos para o reencontro com os filhos. Aqueles que se recusam a assinar o documento invariavelmente são ignorados e perdem os filhos mesmo assim.

“Em muitos casos, a capacidade dos familiares de fornecer consentimento significativo pode ser considerada duvidosa, pois as condições de guerra e a ameaça implícita das forças de ocupação representam condições de coação”, diz o estudo.

Conforme o plano inicial de Moscou, as crianças deveriam ser entregues novamente aos familiares após o período de reeducação. Porém, “em aproximadamente 10% dos campos identificados pelo HRL de Yale, o retorno das crianças à Ucrânia foi supostamente suspenso”. Após a mudança de data, os parentes dizem que encontram dificuldade para obter informações sobre as crianças.

O documento diz, ainda, que “a operação é coordenada centralmente pelo governo federal da Rússia e envolve todos os níveis do governo”.

O Departamento de Estado dos EUA, que apoia o programa de Yale, se manifestou sobre a denúncia em comunicado. Diz o texto que “transferência e deportação ilegais de pessoas protegidas é uma violação grave da Quarta Convenção de Genebra sobre a proteção de civis e constitui um crime de guerra”.

O comunicado acrescenta: “O fato de serem transferências e deportações de crianças é inconcebível por qualquer padrão. A Rússia deve suspender imediatamente as transferências e deportações forçadas e devolver as crianças às suas famílias ou tutores legais”.

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