Ucrânia denuncia Rússia por aplicar treinamento militar a jovens estudantes na Crimeia

Programa inclui treinamento com armas e munição, proteção contra armas de destruição em massa, palestras e outros exercícios

A promotoria da Ucrânia para a Crimeia e a ONG Grupo de Direitos Humanos da Crimeia (CHRG, na sigla em inglês) apresentaram uma queixa formal contra a Rússia ao Tribunal Penal Internacional (TPI). Elas acusam Moscou de adotar um programa de “treinamento militar preliminar” para estudantes de todas as idades nas escolas da Crimeia, ocupada desde 2014. As informações são da rede Radio Free Europe (RFE).

Um programa nos mesmos moldes foi aprovado e passará a vigorar em território russo em 2023, dando sequência à militarização das escolas no país e nas regiões ocupadas. Para a promotoria e a ONG, porém, trata-se de um crime de guerra.

“Com a invasão russa em grande escala da Ucrânia, a probabilidade de enviar essas crianças para a guerra e de serem mortas aumentou”, disse Iryna Sedova, ativista do CHRG. “A máquina estatal russa está ensinando as crianças na Crimeia a serem soldados leais ao Putin. É ensiná-las a seguir ordens sem questionar e a estarem prontas para ir para o exército, servir e morrer pela Rússia”.

Segundo Sedova, a iniciativa também visa a incutir na cabeça dos menores que eles são cidadãos russos e não ucranianos, embora a Crimeia pertença a Kiev e seja internacionalmente considerada uma região sob ocupação estrangeira.

Crianças russas vestidas com uniformes militares: denúncia de crime de guerra (Foto: Facebook/mod.mil.rus)

De acordo com o escritório de representação do presidente ucraniano Volodymyr Zelensky na região ocupada, existem ali atualmente 230 mil crianças frequentando a escola. O órgão se manifestou através do Facebook, no início de setembro, e classificou a militarização das escolas como “violação grosseira do direito internacional”.

O escritório afirma que os ocupantes russos “removeram os livros didáticos ucranianos e os substituíram por russos, cancelaram aulas nas línguas ucraniana e tártara da Crimeia, enviaram professores para a chamada ‘reciclagem de acordo com os padrões da Federação Russa’ e os forçaram a promover narrativas hostis nas aulas, exercer influência militar sobre nossos filhos”.

O texto diz ainda que os russos são “criminosos de guerra, que vêm cometendo novos e novos atos terroristas no território da Ucrânia há mais de seis meses todos os dias”.

Segundo a reportagem da RFE, o programa inclui treinamento com armas de pequeno porte e munições, exercícios e palestras sobre treinamento médico e militar e práticas de proteção contra armas de destruição em massa. Parte do programa será sediado em bases de milícias regionais e do próprio exército da Rússia.

Complexo militar-patriótico

Em agosto, a mídia russa pró-Kremlin revelou que o governo construirá um enorme complexo militar-patriótico de educação para jovens na região de Vologda. O centro deve inaugurar seu primeiro campo de treinamento em 2023, com projeção de que pelo menos cinco mil crianças e adolescentes passem por lá anualmente.

O local oferecerá a estudantes dos ensinos médio e superior práticas de tiro esportivo e de manejo de armas, desenvolvimento de habilidades de navegação, conhecimento em robótica e treinos para o uso de drones.

A obra é parte da política do Kremlin de oferecer educação militar-patriótica a cidades com população acima de cem mil habitantes, explicou o ministro da Defesa russo, Sergei Shoigu, em entrevista concedida em maio.

O objetivo, segundo ele, é criar “uma nova geração de cidadãos leais”. Para tanto, o país já conta com um Exército da Juventude, o “Yunarmia”, que está em franca expansão, bem como programação de televisão voltada aos jovens. 

Integrantes do Exército da Juventude em exposição militar na cidade de Volgogrado, em 2018 (Foto: Mil.ru)

Mais uma mostra da militarização da juventude russa surgiu neste mês de novembro. O Wagner Group, uma organização paramilitar alinhada com o Kremlin, usou sua nova sede em São Petesburgo para ministrar uma série de palestras pró-guerra a crianças russas.

Um vídeo publicado inicialmente pelo canal de notícias SOTA, que posteriormente viralizou no Telegram, mostra crianças em idade escolar acompanhando uma das sessões. Nela, os palestrantes culpam o Ocidente pela guerra em curso na Ucrânia e dizem que o objetivo do inimigo é “destruir” o futuro da Rússia através do assassinato de crianças.

Propaganda estatal

Desde o início da guerra na Ucrânia, dia 24 de fevereiro, a Rússia investe pesado na propaganda estatal. Todos os níveis da sociedade foram inundados com mensagens e imagens em apoio ao que o Kremlin chama de “operação militar especial”, um eufemismo para a guerra. 

Aqueles que contestam abertamente a invasão do país vizinho são denunciados com base em uma lei de março que pune quem “desacreditar as forças armadas” ou disseminar “notícias falsas”. O cenário não é diferente nas escolas, onde alunos e professores são submetidos a conteúdo pró-guerra.

Desde o jardim da infância, os jovens estudantes russos têm sido incentivados a manifestar seu apoio ao conflito, com o envio de cartas aos soldados que combatem no país vizinho e o surgimento, em janelas e portas das instituições educacionais, da letra “Z”, símbolo extraoficial do governo local para a guerra.

Como parte da campanha para disseminar o sentimento pró-guerra entre os alunos, uma onda de postagens nesse sentido invadiu as redes sociais em março, pouco após o início dos combates. Foram divulgadas atividades nas quais os estudantes manifestavam apoio aos soldados e à “operação militar especial“.

O discurso do presidente Vladimir Putin sobre a invasão, feito logo no primeiro dia da guerra, foi inclusive exibido a jovens estudantes russos. Os educadores que eventualmente se recusassem a levar as imagens às crianças acabavam substituídos por outros, segundo relatos de testemunhas.

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