As sanções internacionais estão desestruturando a produção militar da Rússia. Disputas judiciais entre fornecedores, intermediários e o Estado indicam uma dependência profunda de componentes importados, muitos deles substituídos por versões falsificadas, especialmente da China. O cenário, descrito em documentos analisados pelo site investigativo The Insider, mostra que o impacto das sanções vai muito além do que aponta a retórica oficial.
Um caso emblemático envolve a empresa ARP Investment Limited, registrada nas Ilhas Virgens Britânicas, que cobra 65 milhões de rublos (cerca de R$ 4,6 milhões) da Northern Star LLC. A fornecedora acusa a empresa russa de não pagar por circuitos integrados destinados ao Ministério da Defesa. Segundo os autos, as peças foram adquiridas de fabricantes chineses por meio de um esquema para burlar as sanções.
Outro processo relevante aponta problemas na entrega de chips à estatal Zaslon JSC, ligada à família do político Andrei Turchak. A empresa alegou que os microchips recebidos apresentavam sinais de reuso, possivelmente por “reballing”, prática que tenta restaurar a soldagem de componentes antigos. O tribunal aceitou a justificativa e rejeitou a cobrança da fornecedora.

A fabricante NTC Elins, responsável por sistemas de controle de defesa, entrou na Justiça após receber chips chineses em vez dos modelos da Xilinx, marca controlada pela Intel. A empresa alegou que as peças alternativas eram incompatíveis com o software de referência exigido pelo Ministério da Defesa. O caso ainda está em julgamento, mas expõe a importância dos chips programáveis FPGA para radares, drones e mísseis.
O Instituto de Pesquisas Eletrofísicas também teve dificuldades. Em uma tentativa frustrada de adquirir módulos britânicos via Turquia, a cadeia de fornecimento foi desmantelada quando o fabricante detectou contradições nos pedidos e se recusou a enviar os itens. A alternativa via China também falhou por restrições legais à exportação desses componentes.
Em outro exemplo, a falha na entrega de antenas e módulos de sonar interrompeu a construção de corvetas pela Marinha. O estaleiro responsável, Amur, culpou a ausência de peças estrangeiras e disse que os fornecedores locais não conseguiram substituir os itens — muitos dos quais, embora supostamente russos, continham chips importados vetados por sanções europeias.
Além das falhas técnicas, bancos na Ásia Central e na Turquia estão encerrando contas de empresas russas ligadas ao setor militar. A fornecedora Technolink, por exemplo, teve operações bloqueadas em várias instituições por causa do histórico de importação de itens de uso duplo, como osciloscópios de alta precisão. A Justiça russa negou que o congelamento das contas fosse motivo de força maior.
“Durante o período de sanções antirrussas, o réu assumiu, de forma consciente, a obrigação de fornecer bens de uso duplo oriundos de países não amigáveis, mesmo sabendo que esses produtos constavam em listas de restrição”, afirma a decisão de um dos tribunais.
De acordo com a reportagem, a investigação aponta que “apesar das garantias oficiais, as sanções estão de fato causando graves interrupções na produção militar russa”.