Desde 22 de fevereiro de 2022, dois dias antes de invadir a Ucrânia, a Rússia foi alvo de 16.077 sanções, direcionadas a indivíduos e entidades acusados de apoiar a agressão. Até embarcações de luxo e aeronaves foram atingidas, segundo relatório da Castellum.AI, uma plataforma de combate a crimes financeiros. Os números fazem do país liderado por Vladimir Putin de longe o mais sancionado do mundo, forçando o governo a recorrer a um famoso site chinês de compras e até aos ferros-velhos do país para manter suas tropas equipadas.
Atualmente, a Rússia é alvo de 18.772 sanções, a grande maioria delas posterior à invasão da Ucrânia. As demais 2.695 foram impostas antes do início da guerra atual, embora tenham motivação semelhante: elas estão atreladas ao apoio de Moscou aos separatistas da região de Donbass e à anexação da Crimeia, duas regiões igualmente ucranianas.
“Dividimos as sanções à Rússia como antes e depois de 22 de fevereiro de 2022. Em 21 de fevereiro, o presidente russo, Vladimir Putin, reconheceu os separatistas em Donetsk e Luhansk como independentes e ordenou a entrada de tropas russas na região”, diz o relatório. “Os EUA e os aliados responderam em 22 de fevereiro com a primeira do que viriam a ser milhares de sanções. A Rússia invadiu ‘oficialmente’ a Ucrânia em 24 de fevereiro.”
O segundo país mais sancionado é o Irã, que também foi alvo de muitas punições a partir do início da guerra. São 3.616 casos anteriores à agressão russa e 1.337 posteriores. Este último número pode ser explicado pelo fato de Teerã ser atualmente um dos mais importantes fornecedores de tecnologia militar ao Kremlin.
No caso iraniano, o principal item entregue às tropas de Putin são drones modelo Shahed, que se tornaram protagonistas no conflito. Os dois aliados inclusive firmaram um acordo para a Rússia passar a produzir em sua própria indústria os veículos aéreos não tripulados (VANTs), o que colocou diversas empresas iranianas nas listas de sanções de países ocidentais como EUA e Canadá.
Os EUA, por sinal, são os principais responsáveis por punir a economia russa, com 4.502 sanções impostas desde 2014. Em segundo lugar aparece o Canadá, com Suíça, Reino Unido, União Europeia (UE), França, Austrália e Japão na sequência. Já os principais alvos são indivíduos russos, que respondem por 11.462 casos desde fevereiro de 2022. Na sequência aparecem entidades, embarcações e aeronaves.
A Castellum.AI explica, ainda, que a diferença entre UE e França, no caso, diz respeito a sanções impostas exclusivamente pelo governo francês, independentemente da posição do bloco. “As listas francesa e da UE não são iguais, mesmo que haja uma sobreposição significativa”, afirma o relatório.
Efeitos das sanções
O objetivo central das sanções é punir a economia russa a ponto de comprometer o financiamento de sua máquina de guerra. De acordo com a revista Time, Moscou perdeu acesso a US$ 300 bilhões de suas reservas cambiais, viu o rublo perder quase um quarto de seu valor frente ao dólar e teve sua base industrial paralisada.
Com o tempo, porém, a economia russa aprendeu a lidar com o problema, escorada sobretudo nos gastos militares, que representam atualmente 10% do PIB (produto interno bruto). Também faz uso das fontes de energia, como o petróleo, para continuar lucrando. Ainda pesa a favor o fato de que alguns bancos russos foram poupados de sanções e seguem dentro do Swift, sistema ocidental que movimenta dinheiro entre bancos de mais de 200 países.
Exército improvisado
Entretanto, as sanções limitaram o acesso russo a armamento e mesmo a equipamentos de uso duplo, aqueles com funções civis e militares. Foi justamente a restrição à compra de armas que levou Moscou a recorrer ao Irã em busca de drones. E também à Coreia do Norte, a quarta nação mais sancionada do mundo e importante fornecedora de munição às tropas russas.
Em outubro do ano passado, o site Ukrainska Pravd relatou como as sanções afetam a rotina militar da Rússia. Segundo o veículo jornalístico ucraniano, Moscou tem utilizado o site de compras AliExpress, da China, para adquirir itens usados em drones. Na ocasião, Yurii Ihnat, porta-voz da Força Aérea de Kiev, contou que destroços encontrados após ataques russos servem como evidência para as alegações.
“Temos os restos, temos os destroços e podemos ver o que o inimigo está usando para produzi-los”, disse Ihnat. “Na verdade, os motores foram comprados no AliExpress, e é assim que o inimigo vai usá-los. Não é a primeira vez que uma aeronave é feita com materiais simples, rápidos e sujos, como dizem, e lançada rumo ao nosso país.”
Anton Gerashchenko, conselheiro do Ministério do Interior da Ucrânia, relatou na quarta-feira (10) outra situação semelhante. Ele usou a rede social X, antigo Twitter, para descrever o que, segundo ele, são hoje cenas corriqueiras na Rússia. As alegações, porém, carecem de verificação independente.
De acordo com Gerashchenko, os russos são orientados por governos regionais a recolherem, em ferros velhos e onde mais for possível, parafusos e porcas fabricados no Japão, necessários para reparar veículos militares danificados. Diz ele que peças fabricadas na Rússia ou na China não são resistentes o bastante, enquanto as ocidentais, de melhor qualidade, não estão mais ao alcance do governo russo.
Volunteers in Russia collect Japanese bolts and nuts for the frontlines.
— Anton Gerashchenko (@Gerashchenko_en) January 10, 2024
Volunteers from Taganrog have published a request to residents of Buryatia, Trans-Baikal, and Irkutsk regions: they ask to collect bolts and nuts from auto scrapyards for the vehicle service station in… pic.twitter.com/GdaKPIz69x
“Ainda não se passaram nem dois anos desde as sanções, mas já é impossível ficar sem os parafusos e porcas adequados”, afirmou o conselheiro. “Os parafusos chineses, assim como seus carros, obviamente também não são a melhor solução.”