Rússia enfrenta desafios para manter influência na Ásia Central e ampliar laços com o Sul Global

Relatório de Moscou destaca que pressão ocidental e sanções dificultam planos para liderar bloco econômico rival ao Ocidente

O esforço da Rússia para consolidar sua influência sobre ex-repúblicas soviéticas e fortalecer relações com o Sul Global enfrenta obstáculos significativos, segundo um relatório interno do governo russo vazado recentemente. O documento, apresentado em abril de 2023 em uma sessão estratégica liderada pelo primeiro-ministro Mikhail Mishustin, revela como a guerra na Ucrânia prejudicou os laços de Moscou com alguns de seus aliados mais próximos. Somente agora o conteúdo do material veio à tona, segundo o jornal Financial Times.

O relatório admite que as sanções ocidentais e iniciativas econômicas de países do Ocidente conseguiram afastar parceiros comerciais tradicionais da Rússia. O impacto é sentido especialmente em nações da Ásia Central, que têm se beneficiado da situação ao assumir o controle de fluxos de importação e exportação e relocar produções que antes estavam em território russo.

Vladimir Putin, presidente da Rússia (Foto: kremlin.ru/divulgação)

Entre as dificuldades, o documento destaca a “pressão de ameaças” exercida por países ocidentais sobre nações da Ásia Central, oferecendo-lhes acesso a mercados globais e corredores de transporte que evitam Moscou. Esse movimento tem enfraquecido o papel da Rússia como elo estratégico na região.

Mesmo aliados históricos, como Belarus, ilustram o dilema enfrentado. Embora o presidente Alexander Lukashenko tenha declarado em 2024 que “sempre estaremos unidos à Rússia”, o próprio país já buscou diversificar suas parcerias econômicas no passado recente. A relação é citada como o exemplo mais bem-sucedido da influência russa, mas enfrenta desafios decorrentes das sanções e das mudanças nos sistemas de pagamento internacionais.

O relatório também aponta que, apesar do desejo de Moscou de liderar um bloco econômico eurasiático capaz de rivalizar com Estados Unidos, União Europeia (UE) e China, a iniciativa enfrenta “problemas sistêmicos”. Estes incluem riscos relacionados a sanções, divergências em políticas cambiais e limitações impostas pelo controle de capitais estabelecido pelo governo russo para mitigar o impacto das restrições econômicas.

Na Ásia Central, países como o Cazaquistão e o Quirguistão adotaram posturas contrastantes. O primeiro condenou a invasão da Ucrânia, recusou-se a reconhecer os ganhos territoriais russos e demonstrou empenho em cumprir sanções ocidentais. Já o vizinho manteve uma aliança firme com Moscou, tornando-se uma rota importante para a suposta evasão de sanções.

O documento sugere que a Rússia precisará “jogar no longo prazo” para manter esses países em sua esfera de influência, apelando para laços históricos compartilhados e respeitando suas independências. No entanto, reconhece que uma eventual vitória russa na Ucrânia não seria suficiente para encerrar a pressão ocidental.

A análise revela ainda que países da região têm explorado a “vulnerabilidade” da Rússia, buscando se integrar a blocos sem a participação de Moscou, como a Organização dos Estados Túrquicos. O relatório destaca mudanças culturais e educacionais, com o incentivo ao uso do inglês em vez do russo e o alinhamento a padrões ocidentais de ensino, além do envio de elites locais para estudar no Ocidente.

Por fim, o relatório conclui que esses países terão que “decidir sua posição em relação à Rússia”, sem fornecer detalhes sobre o que Moscou planeja fazer para influenciar essa decisão.

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