No início de junho, o Ministério da Defesa do Reino Unido publicou um balanço de inteligência segundo o qual as tropas da Rússia haviam perdido, até ali, ao menos 500 mil homens na guerra da Ucrânia, entre mortos e feridos. Os números são especialmente elevados nos últimos meses, devido a uma ofensiva que fez de maio o mês mais violento do conflito. Uma reportagem publicada nesta semana pela rede BBC ajuda a entender as estatísticas, ao revelar uma tática suicida adotada por Moscou que custa a vida de muitos soldados e esgota até as forças inimigas.
Informalmente, os soldados ucranianos chamam a estratégia russa de “ataques de moer carne”, devido à quantidade de baixas que ela gera. Consiste basicamente no envio de pequenos grupos de soldados que deixam suas posições defensivas e se expõem ao fogo inimigo, um processo que remete às antigas guerras de trincheiras e se repete às vezes uma dezena de vezes no mesmo dia.
“Os russos usam essas unidades na maioria dos casos apenas para ver onde nosso equipamento de tiro está localizado e para exaurir constantemente nossas unidades”, disse o tenente-coronel Anton Bayev, da Guarda Nacional da Ucrânia. “Nossos homens se posicionam e lutam. Quando quatro ou cinco ondas de inimigos vêm até você em um dia e você tem que destruí-las sem parar, é muito difícil. Não apenas fisicamente, mas também psicologicamente.”

A estratégia não chega a ser novidade, nem mesmo a expressão “moedor de carne”. Ela vem sendo usada há algum tempo por analistas, autoridades e sobretudo soldados que estiveram no campo de batalhas para se referir à forma como a Rússia parece sacrificar seus soldados em troca de pequenas conquistas no campo de batalhas.
Em artigo publicado pelo jornal independente The Moscow Times em março de 2023, a pesquisadora Tatiana Stanovaya definiu exatamente dessa forma o andamento do conflito na oportunidade. “É difícil permanecer são e equilibrado quando você perdeu uma grande parte de seu exército pessoal para o sangrento moedor de carne da guerra”, disse ela na oportunidade, citando as baixas elevadas entre os mercenários do Wagner Group, então sob o comando de Evgeny Prigozhin.
Outro que adotou a expressão foi Alexei Navalny, grande rival do presidente russo Vladimir Putin morto em fevereiro deste ano em um presídio na Sibéria, sob circunstâncias misteriosas. “A guerra criminosa de agressão de Putin está piorando. Ele quer espalhar sangue no maior número de pessoas possível. Para prolongar seu poder pessoal, ele está atormentando o país vizinho e jogando ainda mais russos no moedor de carne que é esta guerra”, disse ele durante audiência judicial em setembro de 2022.
Há nas Forças Armadas russas unidades voltadas especialmente a essas missões suicidas. São chamadas de Tempestade-Z e compostas pelo que Moscou vê informalmente como soldados de segunda classe, como criminosos libertados em troca de serviço militar e soldados que tenham cometido algum tipo de indisciplina. O Z foi adotado pelo país como símbolo da guerra, enquanto “tempestade” remete justamente às tropas de assalto que geralmente lideram os ataques e se expõem a um risco maior.
Há relatos de soldados que mesmo amputados são obrigados a retornar ao campo de batalhas para participar dos ataques suicidas. “É muito provável que os membros das unidades russas Tempestade-Z estejam retornando às tarefas de combate com ferimentos não curados e mesmo após amputações de membros”, disse em dezembro do ano passado o Ministério da Defesa do Reino Unido.
Com a tática mortífera adotada de forma mais ampla, o mês de maio registou, segundo a inteligência britânica, a média recorde de 1,2 mil baixas. Pesa também, segundo a análise, o fato de a ofensiva atual ocorrer em “uma ampla frente”, o que inclusive força o governo russo a adotar abordagens emergenciais de recrutamento para repor as perdas.
De acordo com a BBC, ao enviar seus combatentes para a morte, Moscou usa a seu favor o maior contingente e a população drasticamente maior que a da Ucrânia. E, de acordo com Ivan Stupak, ex-agente do serviço de Segurança da Ucrânia, não há motivos para a Rússia mudar a abordagem.
“Infelizmente, há muitos russos. E eles estão tentando conduzir essa operação de avanço centímetro por centímetro, polegada por polegada, 100 metros por dia, 200 metros por dia. E infelizmente, é bem-sucedido para eles”, afirmou Stupak.