Chefe de Direitos Humanos da ONU faz alerta sobre um “futuro distópico”

Durante sua atualização anual, Volker Turk pediu à comunidade internacional que rejeite o “novo normal” de violações, destacando conflitos como Gaza e Sudão

Conteúdo adaptado de material publicado originalmente pela ONU News

O alto comissário da ONU (Organização das Nações Unidas) para os Direitos Humanos fez sua atualização global anual na segunda-feira (9). Volker Turk pediu à comunidade internacional que rejeite a normalização de uma “escalada militar interminável e métodos de guerra, controle e repressão cada vez mais horríveis e tecnologicamente avançados”.

Ao completar metade de seu mandato de quatro anos, discursou no Conselho de Direitos Humanos da ONU em Genebra, na Suíça, e afirmou que o mundo está em uma “encruzilhada”.

Turk fez reflexões amplas sobre o estado atual dos direitos humanos e avaliou que no “caminho atual”, a humanidade se arriscaria em um “futuro distópico”, mas existe a opção de “acordar e mudar as coisas para melhor”.

Alto comissário da ONU para os Direitos Humanos, Volker Turk (Foto: UN Geneva/Flickr)

Segundo Turk, “o ‘novo normal’ não pode ser o fato de a soberania nacional ser distorcida para encobrir violações horríveis ou o descrédito das instituições multilaterais e tentativas de reescrever as regras internacionais, “destruindo as normas universalmente acordadas”.

Turk disse ao Conselho que “os direitos humanos não estão em crise. Mas a liderança política necessária para torná-los uma realidade está”. Ele disse que “em todas as regiões do mundo, há dinâmicas de poder profundamente arraigadas para manter o poder, às custas dos direitos humanos universais”.

Por exemplo, apesar dos avanços nos direitos das mulheres, Volker Turk avalia que “a sombra do patriarcado” ainda persiste e houve retrocessos alarmantes nas questões de igualdade de gênero, sendo o Afeganistão o caso mais extremo.

Migrantes como bodes expiatórios

O chefe de direitos humanos acrescentou que as sociedades continuam a enfrentar o racismo, a discriminação racial, a xenofobia e a intolerância correlata. Estes fatores são “sustentados por estruturas de poder arraigadas, interesses particulares, inércia institucional e estereótipos prejudiciais, muitas vezes enraizados em legados do colonialismo e da escravidão”.

Turk destacou que alguns políticos, amplificados por certos meios de comunicação, usam migrantes, refugiados e minorias como bodes expiatórios”. Ele citou exemplos observados em períodos eleitorais em contextos como Áustria, França, Alemanha, Hungria, no Reino Unido e nos Estados Unidos.

O chefe de Direitos Humanos também alertou sobre a ameaça das tecnologias digitais inadequadamente regulamentadas, incluindo a exploração de dados pessoais. Turk também alertou contra “a disseminação desenfreada de desinformação, que sufoca os fatos e a capacidade de fazer escolhas livres e informadas.

Além disso, enfatizou que os direitos humanos devem ser prioridade nos esforços de regulamentação, enquanto se trabalha para combater a violência online, a desinformação, o discurso de ódio e o incitamento ao ódio.

Guerra no Sudão

Turk lembrou que este ano marca o 75º aniversário das quatro Convenções de Genebra, que estabelecem as leis da guerra, enquanto a Carta da ONU, com sua promessa de “salvar as gerações futuras do flagelo da guerra”, foi adotada há quase 80 anos. Para o chefe dos Direitos Humanos “no entanto, aqui estamos”, observou destacando o cruzamento de inúmeras linhas vermelhas ou a disposição em chegar até elas.

Volker Turk disse que o Sudão “está passando por uma das piores crises humanitárias e de proteção do mundo, alimentada por uma impunidade de longa data, uma tempestade de lutas por poder de soma zero, interesses econômicos concorrentes e instrumentalização de tensões étnicas”.

As estimativas indicam que mais de 20 mil pessoas foram mortas. Para ele, “o mundo não pode permitir que isso continue”.

Temores do conflito em Gaza

Turk afirmou que as guerras deixam cicatrizes para as gerações futuras, perpetuando ciclos de ódio se suas causas não forem enfrentadas, e citou o conflito em Gaza como exemplo.

Ele destacou ao Conselho que encerrar a guerra e evitar um conflito regional de maiores proporções é uma prioridade urgente. Além disso, ressaltou que a ampla situação de ilegalidade nos territórios palestinos ocupados, resultado das políticas e práticas de Israel, conforme detalhado pela Corte Internacional de Justiça em seu Parecer Consultivo de julho, precisa ser tratada de maneira abrangente.

Ele enfatizou que os Estados não devem aceitar o flagrante desrespeito à lei internacional, incluindo as decisões obrigatórias do Conselho de Segurança da ONU e as ordens da Corte Internacional de Justiça.

Ucrânia e Mianmar

O chefe de direitos humanos também abordou o conflito na Ucrânia, onde “os civis estão presos em ciclos de terror, devido aos ataques contínuos Rússia”. Instalações civis, como escolas e hospitais, foram atingidas, e a infraestrutura de energia foi alvo de ataques, expressando seu temor pela próxima temporada de inverno.

Enquanto isso, o alto comissário alertou que “a crise de Mianmar continua a atingir as profundezas da desumanidade”, apontando para os recentes ataques aéreos, prisões em massa e relatos contínuos de assassinatos extrajudiciais, em meio à impunidade sufocante.

Turk acrescentou que, em muitas dessas situações, até mesmo a ajuda humanitária mínima aos civis é instrumentalizada, desviada ou bloqueada, assim como o acesso dos monitores de direitos humanos.

Lembrete sobre as obrigações dos Estados

Turk lembrou o Conselho que os Estados criaram os direitos humanos internacionais e a lei humanitária para preservar e garantir a “humanidade comum”. “Essas normas são nosso pilar contra o poder desenfreado”, disse.

O alto comissário enfatizou que todas as partes envolvidas em conflitos e outros Estados, especialmente aqueles com influência, devem fazer tudo o que puderem para acabar com as violações.

Conforme sugeriu, uma ação concreta seria que os Estados, de acordo com suas obrigações sob as Convenções de Genebra e a devida diligência em direitos humanos, se abstivessem de exportar ou transferir armas para uma parte de um conflito armado. Ele alertou para “um risco real de que elas sejam usadas em violação ao direito internacional humanitário”.

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