Entenda as crises humanitárias que devem marcar o ano de 2021

Em pelo menos 70 localidades emergências relacionadas a conflitos e fome devem piorar ao longo do ano

O rastro de crise deixado pela pandemia do novo coronavírus gerou novas emergências humanitárias e aprofundou outras que já existiam. Hoje, o mundo tem pelo menos 70 localidades onde a crise é grave e pode piorar ao longo do ano, segundo levantamento da revista “The New Humanitarian“.

A maioria dessas tragédias é gerada por guerras – 80% dos recursos destinados à ajuda humanitária é usado para auxiliar populações expostas a conflitos de pequeno e grande porte.

A Referência reuniu, com base no levantamento da revista e informações do Ocha (Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários) alguns dos principais locais que podem exigir uma resposta rápida das organizações multilaterais e de governos neste ano.

Pai e filho refugiados atravessam fronteira entre a Colômbia e o Panamá em fevereiro de 2020 (Foto: Unicef/Acnur/William Urdaneta)

Acordos em ruínas

Acordos forjados no pré-pandemia e que previam o início de um processo de paz em locais como o Sudão do Sul, a República Centro-Africana, o Afeganistão e a Colômbia, já dão sinais de estremecimento.

Em território sul-sudanês, há temores de que o segundo acordo de paz desde a criação do país, há dez anos, caia por terra antes das eleições de 2023.

O ano de 2021 também começa com uma paz cada vez mais frágil no Mali, tomado por grupos jihadistas na porção norte, desértica e pouco habitada, de seu território. Após um golpe em 2020, sobram incertezas a respeito de reformas mínimas de governança em um país cuja história é pontuada por intervenções militares.

Na República Centro-Africana, as eleições de dezembro geraram uma situação de emergência que inclui uma tentativa de invasão da capital, Bangui, por rebeldes que tentam inviabilizar o cessar-fogo de 2019.

A UA (União Africana), garantidora da maioria dos acordos no continente, tenta viabilizar, com auxílio de parceiros como as Nações Unidas, a UE (União Europeia) e a Rússia, alguma adesão às tratativas.

A Etiópia, liderança regional com papel nas missões de paz pelo continente, tem hoje um princípio de guerra civil para solucionar em seu próprio país.

O governo em Adis Abeba, liderado pelo Nobel da Paz de 2019 Abiy Ahmed, vive uma disputa de poder com lideranças locais da região de Tigré, no norte do país – dobrando a demanda por ajudas humanitárias entre os etíopes, que fechou 2020 na faixa de 20 milhões.

Cidadãos de Tigré, na Etiópia, fogem de conflitos em direção ao Sudão em dezembro de 2020 (Foto: UN Photo/Will Swanson)

Analistas temem uma fratura definitiva do Estado multiétnico da Etiópia, com 80 grupos distintos. Numa perspectiva pessimista, pode ocorrer um movimento semelhante ao que dividiu a antiga Iugoslávia no início dos anos 1990 e gerou uma sangrenta guerra civil até 1995.

Já no turbulento Afeganistão, a tentativa de paz mais recente entre o governo reconhecido e o Taleban completa um ano em fevereiro sem chegar a parte alguma.

Com a saída das tropas norte-americanas do país, cresce a chance de uma tomada do poder por parte dos radicais. A despeito das tentativas de acordo, lideranças do grupo – que controlou boa parte do território entre 1996 e 2001 – já afirmaram diversas vezes que a meta é restabelecer um emirado islâmico controlado pela lei religiosa da sharia.

Conflitos sul-americanos

Na Colômbia, o acordo de paz com a guerrilha, de 2016, também dá sinais de esgarçamento. O governo tem ignorado denúncias de massacres contra populações em áreas antes dominadas por grupos como as FARCs (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e contra ex-combatentes que entregaram as armas.

A vizinha Venezuela também não terá um 2021 fácil. O país hoje tem a receita do petróleo na lona após anos de sucateamento da estrutura de exploração, acompanhada por crise econômica e hiperinflação.

O número de refugiados deve saltar de 5,4 milhões para sete milhões neste ano, estima a OEA (Organização dos Estados Americanos).

Na fronteira entre os dois países, cresce o número de acampamentos improvisados, sem infraestrutura básica. Já os grupos guerrilheiros avançam para aumentar suas áreas de controle aproveitando os lockdowns nessas regiões.

Guerra civil

No Oriente Médio, o barril de pólvora para as agências humanitárias é o Iêmen. Considerado a “pior crise mundial” pela ONU (Organização das Nações Unidas), o país está imerso em guerra civil desde 2015.

Criança iemenita carrega água potável em meio a escombros da cidade de Aden, no Iêmen, em abril de 2020 (Foto: Unicef)

Para este ano, o desafio das entidades humanitárias será fazer chegar a ajuda após a determinação, do governo dos EUA, de que a coalizão rebelde houthi é um grupo terrorista. O anúncio foi feito no início de janeiro e pode dificultar a chegada de ajuda no país.

Em todo o mundo, as doações vindas da ONU têm diminuído. Em 2019, era preciso arrecadar US$ 4,2 bilhões, e chegou às mãos das entidades US$ 3,6 bilhões – 85% do valor.

No ano seguinte, a pandemia fez crescer a já elevada demanda por ajuda, mas de US$ 3 bilhões solicitados em doações, só foi possível arrecadar 56% desse montante, ou US$ 1,9 bilhão.

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