Fuga global de investimentos pode levar a novas altas nos preços dos alimentos

Grandes bancos têm apostado nas megacorporações de commodities, deixando empresas médias sem empréstimos

Os grandes fundos de investimento globais estão diminuindo suas posições em empresas produtoras de alimentos. O holandês ABN Amro Bank é um dos que deixará o mercado, enquanto o francês BNP Paribas diminuirá seus aportes, informou no último dia 5 o diário “The Wall Street Journal“.

A tendência é multifatorial. Quedas nos preços do petróleo e perdas associadas a fraudes em empresas do setor são dois motivos relevantes.

Além disso, há, pressão de investidores que não querem se associar à mudança climática e apetite por empréstimos de maior risco e retornos mais polpudos.

Em um mercado já concentrado, empresas de menor porte terão ainda mais dificuldades para captar recursos. A consequência pode ser o aumento do preço dos alimentos em toda a cadeia, até o consumidor final.

Fuga global de investimentos pode levar a novas altas nos preços dos alimentos
Custo de empréstimo mais alto pode gerar mais um empecilho à já complicada situação das empresas de menor porte no setor (Foto: Pexels)

A primeira resultante da saída é o aumento do custo dos empréstimos para as produtoras de commodities alimentícias. A avaliação é da colunista do “Financial Times” Rana Foroohar, especialista em agronegócio.

Custos em alta

Sem acesso aos bancos tradicionais, ou essas empresas de alimentos não emprestarão ou pagarão mais caro em instituições financeiras não regulamentadas, ou chamados “bancos-sombra”. Nelas, não há garantias estabelecidas por governos ou bancos centrais, por exemplo.

Essas empresas também negociam contratos futuros para diluir o risco nos períodos de entressafra e de alta flutuação de preços. Para elas, é vital ter acesso a financiamentos de curto prazo durante os momentos de menor faturamento.

Os principais determinantes são alta flutuação dos preços, combinada à pouca transparência e alta alavancagem, ou aumento da rentabilidade mediante endividamento.

Neste cenário, as empresas de commodities alimentares tornaram-se reféns da decisão dos grandes bancos de operar cada vez mais com megaorganizações.

Por que o preço pode subir

Em maio deste ano, um dos maiores empresários do setor de alimentos escondeu cerca de US$ 800 milhões em perdas. A Hin Leong Trading, de Singapura, gerou problemas ara toda a cadeia. Os reguladores da cidade-Estado tiveram sua imagem arranhada, e os bancos, pegos de surpresa.

Com a diminuição no número de bancos emprestando, prevê-se aumento da concentração do mercado por organizações gigantescas, como JBS, Bunge, Cargill e Trafigura. Já as empresas de menor porte continuarão operando com margens estreitíssimas de lucro cada vez menores.

Ao contrário dos anos 2000, os retornos vindos do mercado de commodities de alimentos já não são tão interessantes a ponto de suplantar os riscos quase que inerentes à estrutura setorial.

Oligopólio e concorrência

Para Foroohar, a concentração de mercado prevista acentua uma tendência que já existia antes da pandemia. As grandes empresas estão se tornando grandes demais e canibalizando a concorrência que estiver na frente.

A maior fragilidade financeira dessas empresas também pode gerar novas interrupções na cadeia produtiva mundial, aumentando o problema já sério da insegurança alimentar em todo o mundo. O efeito dominó pode atingir de produtores a empresas de beneficiamento, transporte e manufatura.

Os primeiros meses da pandemia oferecem alguns exemplos. O mercado de commodities alimentares é estruturado em duas cadeias: uma alimenta os supermercados, outra restaurantes e outros serviços como hospitais e escolas.

Com as medidas de isolamento, os preços para os supermercados disparara. Já as empresas que abasteciam a outra metade da cadeia jogavam no lixo parte da produção por não ter a quem vendê-la.

A colunista do FT avalia que o cenário pode transbordar para desordem social. Entre os exemplos recentes, as revoltas pelo aumento do preço do pão que precederam a Primavera Árabe em 2011 ou a disparada no valor do barril de petróleo, no mesmo ano.

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