A interferência russa no andamento das eleições de 2016 foi um sucesso. A custo de cerca de US$ 1,25 milhão por mês, teve como consequência a eleição de um candidato à preferência do Kremlin, Donald Trump. Também evidenciou problemas da democracia norte-americana, cada vez mais dividida.
Em 2020, o ataque será mais intenso e difuso. Agora, basta replicar a tática russa para que nações como Irã, China e Coreia do Norte manipulem a opinião pública norte-americana ao sabor de seus interesses.
O que mudou neste cenário nos últimos quatro anos é objeto de análise de Alina Polyakova, presidente do Centro de Análise Política Europeia e professora da Universidade Johns Hopkins, nos EUA, em artigo para a revista norte-americana “Foreign Affairs“.
Estratégia diversionista
A situação na Rússia mudou desde então. Isso mesmo com a mais recente investida do presidente Vladimir Putin, que na prática após referendo neste ano pode se acomodar no poder até os 84 anos, em 2036. A começar pela queda nos preços do petróleo, produto vital na pauta exportadora russa.
A crise econômica que se seguiu, acompanhada de forte desvalorização do rublo, derrubou a aprovação de um Putin instalado no Kremlin desde 1999.
Dessa vez, “vitórias” em política externa como a anexação unilateral da península da Crimeia, em 2014, ou avanços das tropas russas na Síria, não angariam a mesma reação dos eleitores.
“O contrato não verbal por trás dessa estratégia – de que fazer a Rússia grande de novo no palco mundial valia alguns sacrifícios econômicos dos cidadãos – já havia se tornado frágil antes meio da pandemia”, afirma Polyakova. Agora, Putin terá de se entender com seus problemas internos.
Outro desafio é esconder os rastros deixados pela operação. Quatro anos depois das primeiras investidas, os EUA já tem meios os mais diversos para investigar atividades suspeitas.
O governo norte-americano já promoveu sua própria apuração, com relatórios já abertos ao público.
Produto russo tipo exportação
O modelo russo pode ser observado por meio do modus operandi da IRA (Agência de Pesquisa na Internet, em inglês), empresa baseada em São Petersburgo especializada em desinformação.
Por meio de páginas em redes sociais como Facebook e Instagram, foi possível criar uma rede russa potente de fake news com um orçamento baixo, de cerca de US$ 1,25 milhão mensais.
O primeiro passo é criar uma página com conteúdo açucarado, levemente religioso, recheado de mensagens pseudopositivas. Quando a base de seguidores se torna grande o suficiente, é hora de postar mensagens polarizadoras de temas como política e imigração.
Na sequência, convoque manifestações ao vivo. Na pauta, temas como “a ‘islamização’ do Texas” ou a flexibilização do porte de armas. É importante certificar-se de que o lado oposto sabe da manifestação, de modo a gerar o maior conflito possível.
A cartilha não passou batida por regimes como o saudita, o venezuelano, o sérvio, o iraniano e o norte-coreano. A partir de 2018, o Facebook já removia páginas de origem iraniana que apresentavam “comportamento coordenado inautêntico” – ou uso de contas controladas por robôs para potencializar narrativas convenientes ao regime.
As campanhas, cujo alcance era turbinado por impulsionamento pago, tinham público-alvo em países da América Latina, da Europa e do Oriente Médio, além de Reino Unido e EUA.
Os operadores escolhiam os assuntos com base nos temas mais explosivos da pauta pública dessas regiões. As guerras na Síria e no Iêmen e o racismo nos EUA tornavam-se memes em páginas supostamente criadas por pessoas reais.
Aí vem o ‘tsunami’
Agora, espera-se que a China entre com tudo no mercado da influência por meio da desinformação, argumenta a autora. O regime chinês vinha investindo apenas em campanhas para questões que afetam diretamente seu território, como Hong Kong.
Não é mais o caso. Os controladores das principais redes sociais já mapeiam iniciativas desenhadas para dividir opiniões em países da Europa, com desinformação sobre a Covid-19.
Agora, é possível rastrear chineses em campanhas de desinformação em redes sociais como o Pinterest, o Reddit e o Medium. O já popular TikTok, de origem chinesa, é terreno mais que fértil para que os chineses plantem narrativas controversas que beneficiam Beijing em detrimento do Ocidente.
A própria IRA, do “empresário” russo Yevgeny Prigozhin, alugou seu serviços em 2019 para países como Sudão, Líbia, Congo, Camarões e República Centro-Africana.
“Em todos os casos, operadores russos trabalham com locais para esconder as origens verdadeiras da campanha, disfarçando a operação estrangeira russa por meio de vozes domésticas”.
Entre 2016 e 2020, a prática evoluiu a ponto de não mais distinguir o que é desinformação estrangeira no meio da altíssima circulação de informações.
“A ‘mangueira de bombeiro de falsificações’ da Rússia, como chamaram os pesquisadores da RAND Corporation, vai se tornar um tsunami global”, afirma a pesquisadora.