‘Papel das armas nucleares cresce à medida que as relações geopolíticas se deterioram’, diz relatório

Embora os arsenais estejam menores devido à desativação de armas antigas, há cada vez mais ogivas operacionais no mundo

Os arsenais nucleares estão maiores e mais diversificados, e os mecanismos de controle de armas de destruição em massa sofreram reveses importantes em 2023 devido à deterioração das relações geopolíticas. A conclusão é do mais recente relatório do Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (Sipri, na sigla em inglês), que classifica a tendência atual como “extremamente preocupante”.

O documento, uma avaliação anual do estado do armamento, do desarmamento e da segurança internacional, diz que cada vez mais os países confiam em seus arsenais nucleares para dissuasão, dando início a uma nova corrida que faz o planeta prender a respiração ante ao risco de um confronto entre grandes potências.

“Os nove Estados com armas nucleares – Estados Unidos, Rússia, Reino Unido, França, China, Índia, Paquistão, República Popular Democrática da Coreia (Coreia do Norte) e Israel – continuaram a modernizar os seus arsenais nucleares e vários implantaram novos sistemas de armas equipados ou com capacidade nuclear em 2023″, diz o texto.

Kim Jong-un, líder da Coreia do Norte (Foto: Divulgação/kcnawatch.org)

O Sipri afirma que existem hoje 12.121 ogivas nucleares em todo o mundo, sendo que no final de 2023 havia 9.585 em arsenais militares para uso potencial. Dessas, 3.904 estão implantados em mísseis ou aeronaves, o que significa que poderiam ser usadas imediatamente em caso de conflito. As demais estão armazenadas.

Rússia e EUA, donos dos dois maiores arsenais do mundo, lideram a estatística mais preocupante. Juntos, têm cerca de 2,1 mil ogivas em estado de alerta operacional máximo, instaladas em mísseis balísticos que podem ser disparados imediatamente.

“Embora o total global de ogivas nucleares continue caindo à medida que as armas da era da Guerra Fria são gradualmente desmanteladas, lamentavelmente continuamos a ver aumentos anuais no número de ogivas nucleares operacionais”, disse o diretor do Sipri Dan Smith. “Esta tendência parece provável que continue e provavelmente acelere nos próximos anos e é extremamente preocupante.”

O relatório destaca, ainda, o papel das nações com os menores arsenais, Índia, Paquistão e Coreia do Norte. Esses três países cada vez mais atuam para ampliar a capacidade de implantar múltiplas ogivas em mísseis, o que permitirá um aumento ainda maior na quantidade de armas em estado de prontidão.

Embora não tenha ampliado seu arsenal, o Reino Unido já admitiu que esse é um dos objetivos de seu governo, enquanto a França vem desenvolvendo um novo submarino capaz de disparar mísseis balísticos e um novo míssil de cruzeiro com capacidade nuclear. Entretanto, é a China quem dá mais prioridade à questão, saltando de 410 ogivas em janeiro de 2023 para 500 no primeiro mês de 2024.

“Dependendo de como decidir estruturar suas forças, a China poderá ter pelo menos tantos mísseis balísticos intercontinentais (ICBM) quanto Rússia ou EUA até a virada da década, embora ainda se espere que seu arsenal de ogivas nucleares permaneça muito menor que os estoques desses dois países”, diz o relatório.

O maior motivo de preocupação, porém, é o aumento do arsenal nuclear norte-coreano, foco principal de sua estratégia de segurança nacional. O Instituto calcula que o país liderado por Kim Jong-un tem 50 ogivas e pode atingir 90 em breve, considerando a quantidade de material atômico disponível em seus usinas.

“Como vários outros Estados com armas nucleares, a Coreia do Norte está colocando uma nova ênfase no desenvolvimento do seu arsenal de armas nucleares tácticas”, disse Matt Korda, investigador do programa de Armas de Destruição em Massa do Sipri. “Consequentemente, há uma preocupação crescente de que a Coreia do Norte possa pretender utilizar estas armas muito cedo num conflito.”

Conforme se fortalecem os arsenais, perdem forças os pactos de controle. Em fevereiro do ano passado, por exemplo, a Rússia suspendeu sua participação no Tratado sobre Medidas para a Redução e Limitação Adicional de Armas Ofensivas Estratégicas (Novo START), e em outubro retirou a ratificação ao Tratado de Proibição Completa dos Testes Nucleares (CTBT, da sigla em inglês).

“Não víamos armas nucleares desempenharem papel tão proeminente nas relações internacionais desde a Guerra Fria”, disse Wilfred Wan, diretor do Programa de Armas de Destruição em Massa do Sipri. “É difícil acreditar que apenas dois anos se passaram desde que os líderes dos cinco maiores Estados com armas nucleares reafirmaram conjuntamente que ‘uma guerra nuclear não pode ser vencida e nunca deve ser travada’.”

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