Com arsenal nuclear em constante evolução, China encosta cada vez mais em EUA e Rússia

Segundo estudo, Beijing investe na ampliação do número de ogivas e em 'grandes melhorias tecnológicas qualitativas'

A China foi o quinto país do mundo, em 1964, a testar com sucesso uma arma nuclear. Embora tenha avançado bastante desde então, ainda fica muito atrás de EUA e Rússia se comparados os tamanhos e as capacidades dos arsenais. A evolução chinesa, entretanto, é constante e acelerada, e a ameaça nuclear representada pelo país cada vez mais o aproxima das outras duas superpotências. É o que mostra um relatório do projeto Poder da China, parte do think tank Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS, na sigla em inglês), de Washington.

O estudo explica que, além da quantidade de ogivas que têm à disposição, russos e norte-americanos têm a plena capacidade de disparar seus mísseis a partir da terra, do ar e do mar. Já os chineses passaram anos investindo em sistemas baseados em terra, que ainda dominam seu arsenal. Os baseados no mar evoluíram consideravelmente, enquanto os baseados no ar são limitados.

“Dizemos que os países com uma estrutura nuclear que consiste em mísseis balísticos intercontinentais terrestres (ICBMs), mísseis balísticos lançados por submarinos (SLBMs) ​​e bombardeiros estratégicos possuem uma ‘tríade’ nuclear”, diz o relatório, explicando que isso melhora a flexibilidade das Forças Armadas e aumenta as chances de sobrevivência do arsenal nuclear.

Submarino Yuan do Exército de Libertação Popular, 13 de julho de 2011 (Foto: WikiCommons)

EUA e Rússia atingiram a tríade faz tempo, e ultimamente a China vem caminhando para igualá-los. Antes, investia sobretudo em mísseis baseados em silos e com combustível líquido, vulneráveis a ataques preventivos do inimigo. Dos anos 1990 para cá, passou a construir e a fortalecer instalações subterrâneas, e o Departamento de Defesa norte-americano estima que hoje existam milhares dessas bases.

Mais recentemente, em 2015, já com Xi Jinping no poder, Beijing iniciou um novo e mais ambicioso processo de modernização de suas forças de mísseis convencionais e nucleares. Parte desse projeto consiste em apenas aumentar a quantidade de ogivas, com Washington avaliando que já são 500, ante à expectativa de dobrar esse número em 2030 e chegar a 1,5 mil em 2035. Para efeito de comparação, os EUA tinham, em janeiro de 2023, 5.244 ogivas, contra 5.889 da Rússia.

“A China não está apenas aumentando seu arsenal de ogivas”, diz o documento. “Também procura grandes melhorias tecnológicas qualitativas nos seus sistemas de lançamento e entrega em todas as três vertentes da tríade nuclear.”

No que tange aos lançamentos terrestres, Beijing investe nos silos e em novos e melhores sistemas de disparo móveis, tanto rodoviários quanto ferroviários. Ainda vem apresentando mísseis com alcance cada vez maior, capazes de atingir alvos a até 15 mil quilômetros de distância. Está entre os armamentos do gênero mais eficientes do mundo.

É no mar que a China registrou um importante avanço nos últimos anos. Com mísseis disparados por submarinos capazes de atingir alvos a até dez mil quilômetros de distância, o Exército de Libertação Popular (ELP) já seria capaz de fazer um disparo a partir de sua própria costa e atingir o território continental dos EUA. Novos submarinos que vêm sendo desenvolvidos, maiores e mais furtivos, colocam o país quase em condição de igualdade com russos, norte-americanos e britânicos.

O componente aéreo da tríade ainda é o ponto fraco da China. Pensando nisso, o ELP adotou diretrizes mais agressivas em 2018, até que dois anos depois colocou em operação seu primeiro bombardeiro com capacidade nuclear. A expectativa é dar mais um passo em 2030, quando um jato furtivo subsônico tende a decolar das bases chinesas.

Considerando que os EUA também investem na modernização de seu programa nuclear, com a projeção de gasto de US$ 634 bilhões entre 2021 e 2030, o avanço conquistado pela China é crucial para evitar que o ELP fique excessivamente defasado.

“Beijing teme que o estabelecimento de uma arquitetura de defesa antimíssil avançada e multifacetada dos EUA enfraqueça a dissuasão estratégica da China, ao diminuir a sua capacidade de realizar um ataque nuclear retaliatório”, diz o think tank.

Retaliação, por sinal, é uma palavra importante. As diretrizes de defesa da China, estabelecidas em seu “livro branco”, a diferenciam da maioria dos outros países com armas nucleares, por estabelecer uma política de não primeiro uso (NFU, na sigla em inglês). Ou seja, pode utilizar suas armas nucleares apenas em resposta a um ataque nuclear de outro país, jamais tomar a iniciativa.

Entretanto, “muitos observadores são céticos de que o ELP cumpra esta política durante um conflito”, segundo o relatório, que debate também a verdadeira motivação chinesa por trás do investimento em seu arsenal nuclear. 

“Devido à falta de transparência da China nestas questões, é impossível compreender completamente os motivos de Beijing ou compreender com precisão a natureza exata da evolução das capacidades da China”, conclui o estudo. “No entanto, é claro que os líderes chineses pretendem aumentar significativamente as suas capacidades nucleares e estão fazendo investimentos profundos para alcançar seus objetivos.”

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