Um ano após a Copa do Mundo, omissão do Catar e Fifa aos trabalhadores continua

Passado um ano do término do torneio, Anistia Internacional afirma que "muito pouco foi feito" para corrigir as explorações trabalhistas cometidas contra migrantes

Na semana passada, a ONG Anistia Internacional (AI) denunciou que o Catar persiste em não resolver os abusos enfrentados pelos trabalhadores migrantes durante a Copa do Mundo de futebol da Fifa, falhando em proporcionar proteção adequada contra a exploração laboral. Essa situação de exploração, segundo a organização, “mancha” o legado do torneio, um ano após o evento.

Segundo o novo relatório intitulado “A Legacy in Jeopardy” (Um Legado Sob Ameaça, em tradução literal), o avanço na melhoria dos direitos trabalhistas estagnou desde o término do torneio. A resolução e a justiça para centenas de milhares de trabalhadores que foram vítimas de abusos relacionados à competição permanecem inalcançáveis. Os limitados progressos em algumas áreas foram ofuscados pela ausência de medidas para enfrentar uma ampla gama de abusos contínuos, diz a ONG.

A ONG criticou a decisão de manter o salário mínimo no patamar de 2021, mesmo diante do aumento do custo de vida, e afirmou que persistem desigualdades relacionadas ao não pagamento de salários e à mobilidade dos trabalhadores entre distintos empregos.

“O contínuo fracasso do Catar em aplicar ou reforçar adequadamente as suas reformas trabalhistas anteriores à Copa coloca qualquer legado potencial para os trabalhadores em sério perigo”, afirmou Steve Cockburn, chefe de Justiça Social Econômica da AI. “O governo deve renovar urgentemente o seu compromisso de proteger os trabalhadores, enquanto tanto a Fifa como o Catar devem concordar com planos de reparação para todos aqueles que sofreram”.

Acidentes e mortes de operários no Catar foram registrados depois que o país foi escolhido para sediar a Copa do Mundo de Futebol (Unsplash/Josue Isai Ramos Figuer)

Segundo o relatório, entre taxas de recrutamento ilegal e salários não pagos, centenas de milhares de trabalhadores migrantes perderam dinheiro, saúde e até mesmo vidas enquanto a Fifa e o Catar tentavam desviar-se e negar responsabilidades. “Um ano após o torneio, pouco foi feito para corrigir esses erros, mas os trabalhadores que possibilitaram a Copa do Mundo de 2022 não devem ser esquecidos”, aponta o documento.

A AI também observou que as “reformas tardias e fracamente aplicadas pelo governo do Catar”, junto com a introdução de uma política de direitos humanos pela Fifa em 2017, não conseguiram impedir abusos generalizados que ocorreram antes e durante o torneio, persistindo até hoje.

“Os abusos relacionados à Copa do Mundo de 2022 devem servir como um lembrete aos órgãos esportivos de que os direitos humanos devem sempre estar no centro das decisões ao premiar eventos”, acrescentou Cockburn.

Como reportado anteriormente pela AI, durante a Copa centenas de guardas de segurança e delegados migrantes, contratados temporariamente para locais relacionados ao torneio, foram vítimas de exploração laboral. Esses trabalhadores enfrentaram práticas como o pagamento de taxas de recrutamento ilegais, desinformação sobre seus empregos e jornadas de trabalho excessivas sem folgas semanais. Quase um ano após o evento, esses trabalhadores ainda aguardam por uma resolução.

Reforma e execução deficientes

Em 2017, o Catar firmou um acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), resultando em alterações significativas nas leis trabalhistas nos anos seguintes, incluindo estabelecimento de um novo salário mínimo, legislação sobre saúde e segurança e o fim do sistema kafala, que regulava o trabalho de migrantes no país e tornava os trabalhadores excessivamente dependentes de seus empregadores, criando situações de exploração do trabalho.

No entanto, no início da Copa, as medidas de implementação necessárias para prevenir novos abusos generalizados permaneciam inadequadas.

Após o término do torneio, o progresso estagnou. Embora a maioria dos trabalhadores migrantes agora tenha a liberdade de sair do país e haja melhorias na aplicação das leis relacionadas ao trabalho em condições de calor, como a proibição de serviços ao ar livre nas horas mais quentes, a situação geral é descrita como sombria, marcada pela exploração contínua.

Apesar da suposta liberdade para mudar de emprego e escapar de abusos, muitos trabalhadores ainda enfrentam obstáculos. Embora não exijam mais legalmente um “certificado de não objeção” (NOC) dos empregadores, na prática, muitos ainda precisam obter alguma forma de permissão. Trabalhadores relatam que mesmo funcionários do governo sugerem a necessidade dessa autorização para facilitar transferências de emprego, e muitos anúncios de emprego ainda a mencionam como requisito.

Os dados governamentais indicam que, embora mais de 150 mil pessoas tenham mudado de emprego nos primeiros oito meses do ano, um terço dos pedidos de transferência foi rejeitado no mesmo período.

Conforme apontado pela Anistia Internacional, os abusos associados à Copa do Mundo de 2022 deveriam servir como um lembrete para as organizações esportivas de que “os direitos humanos devem ser prioritários” nas decisões relacionadas à concessão de eventos.

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