Ataque em Beirute mobiliza aliados de Israel contra guerra mais ampla no Oriente Médio

Morte de líder do Hamas em território do Hezbollah preocupa o Ocidente, que usa a diplomacia para tentar manter o conflito concentrado em Gaza

O conflito entre Israel e Hamas, desencadeado pela agressão do grupo radical em 7 de outubro de 2023, não se restringe à Faixa de Gaza, principal alvo da resposta do Estado judeu. No Mar Vermelho, onde os Houthis passaram a bombardear navios comerciais, na Síria e no Iraque, palco inclusive de ataques contra tropas norte-americanas, as hostilidades vêm crescendo. Mais recentemente foi Beirute que se tornou uma extensão do campo de batalhas, gerando apreensão global devido ao risco de um conflito mais amplo que envolveria o Hezbollah e poderia se espalhar por todo o Oriente Médio.

Na última terça-feira (2), o vice-chefe político do Hamas, Saleh al-Arouri, foi morto em um ataque ao prédio onde estava nos subúrbios ao sul da capital do Líbano. Junto dele morreram outros seis membros do grupo radical, sendo dois comandantes militares.

Embora Israel não tenha assumido oficialmente a autoria, todos os olhares se voltaram ao país. Inclusive porque, como destacou a agência Associated Press (AP), o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu já havia, em ocasiões anteriores, ameaçado matar Arouri, isso bem antes dos ataques de outubro.

Após a morte de Arouri, a agência estatal de notícias do Líbano não demorou a fazer acusações, dizendo que um drone de Israel foi responsável pelo ataque, ocorrido em pleno território do Hezbollah. Um oficial de segurança libanês, que pediu para ter a identidade preservada, também afirmou que um veículo aéreo não tripulado havia sido o responsável pela ação, mas não citou um responsável.

Soldados das Forças de Defesa de Israel em treinamento, setembro de 2023 (Foto: Facebook/idfonline)

Do lado israelense, em vez de admissão de culpa, houve cautela. Mark Regev, porta-voz de Netanyahu para veículos de mídia estrangeiros, tratou de distanciar o Hezbollah do episódio, como quem evita inserir no conflito um inimigo mais poderoso que o Hamas, uma das mais importantes forças militares do “Eixo da Resistência” anti-Israel.

“Quem quer que tenha feito isto não fez um ataque ao Estado libanês. Não é um ataque à organização terrorista Hezbollah. Quem quer que tenha feito isto fez um ataque ao Hamas, isso está muito claro”, disse Regev.

De toda forma, a morte de Arouri imediatamente colocou Israel em alerta para uma possível resposta do Hezbollah, que até então mantém atuação reduzida no conflito, com esporádicos ataques contra tropas israelenses na região de fronteira. Segundo a AP, o envolvimento amplo da organização depende de uma decisão de seu líder Hassan Nasrallah, mas o Estado judeu diz estar pronto.

“As IDF (Forças de Defesa de Israel, da sigla em inglês) estão em um nível de prontidão muito alto, em todas as áreas, na defesa e no ataque. Estamos num elevado estado de preparação para qualquer cenário”, disse o porta-voz das Forças, Daniel Hagari, segundo o jornal The Times of Israel.

Ocidente em alerta

A expectativa de um choque direto entre Israel e Hezbollah preocupa o Ocidente, que já começou a se movimentar para tentar conter os ânimos. “Continuamos a implorar a todas as partes que cessem o fogo e a todos os interlocutores com influência que exortem à contenção”, afirmou Kandice Ardiel, porta-voz da Força Interina das Nações Unidas no Líbano (Unifil), segundo relatou a agência Al Jazeera.

O presidente francês Emmanuel Macron também intercedeu. Em contato com Benny Ganz, membro do gabinete da guerra de Israel, ele afirmou que “é essencial evitar qualquer atitude de escalada, particularmente no Líbano, e que a França continuaria a transmitir estas mensagens a todos os intervenientes direta ou indiretamente envolvidos na área”, segundo o jornal Le Monde.

Na visão do governo libanês, entretanto, o objetivo de Israel com o ataque a Arouri foi justamente inserir Beirute à força na guerra, como afirmou o primeiro-ministro interno Najib Mikati. “A explosão é um crime israelense que visa claramente levar o Líbano a uma nova fase de confrontos após os contínuos ataques diários no sul”, disse ele, de acordo com a Al Jazeera, citando a fronteira com o Estado judeu.

O Hezbollah, ao menos em um primeiro momento, adotou postura comedida. Nasrallah afirmou apenas quem um eventual conflito com o Líbano “custaria muito caro” aos agressores e que qualquer um nessa posição iria “se arrepender”, pois a organização está disposta a “lutar até o fim”, conforme informou a rede Sky News.

Reação de Washington

O aumento da tensão também reflete nos EUA, que já haviam aumentado a presença militar no Oriente Médio após os ataques contra seus soldados no Iraque e na Síria. Também lançou uma força-tarefa focada em conter os Houthis no Mar Vermelho, a Operação Guardião da Prosperidade.

Neste segundo caso, Washington vinha mostrando comedimento, mas o jornal The New York Times disse na quarta-feira (3) que a paciência “está se esgotando”. E um ultimato foi lançado no mesmo dia. “Que a nossa mensagem agora seja clara: apelamos ao fim imediato destes ataques ilegais e à libertação de embarcações e tripulações detidas ilegalmente”, disse comunicado emitido pela Casa Branca.

O texto diz ainda que os Houthis “arcarão com as consequências caso continuem a ameaçar vidas, a economia global e o livre fluxo do comércio nas vias navegáveis ​​críticas da região.”

O governo norte-americano ainda aproveitou a turbulência na região para ampliar o prazo de permanência de suas tropas na maior base do país no Oriente Médio. Segundo a agência Reuters, os EUA já acertaram a ampliação por mais dez anos da concessão da Base Aérea de Al Udeid, localizada no deserto a sudoeste de Doha, no Catar.

Porém, nem todos os aliados parecem dispostos a seguir o governo Biden. Conscientes do risco de se envolverem em um conflito de grandes proporções, Itália e Espanha, listados como membros da Operação, disseram em dezembro que pretendem manter uma distância estratégica da força marítima, de acordo com a Reuters. Uma ambiguidade que gera dúvidas quanto à efetividade da coalizão e evidencia a amplitude que o conflito no Oriente Médio pode atingir.

Afagos diplomáticos

Se por um lado os EUA ameaçaram os Houthis, e por tabela o Iêmen, por outro a diplomacia norte-americana também tratou de fazer um leve afago nos palestinos, contestando recentes manifestações de dois ministros israelenses de extrema direita.

Em comunicado divulgado na terça (2), o Departamento de Estado disse “rejeitar as recentes declarações” de Bezalel Smotrich e Itamar Ben Gvir, que defenderam o reassentamento de cidadãos palestinos fora de Gaza. “Esta retórica é inflamatória e irresponsável”, disse Washington através do porta-voz Matthew Miller.

O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken: diplomacia contra a guerra (Foto: Wikimedia Commons)

“Temos sido claros, consistentes e inequívocos ao afirmar que Gaza é terra palestina e continuará a ser terra palestina, com o Hamas já não controlando seu futuro e sem grupos terroristas capazes de ameaçar Israel”, diz o texto. “É esse o futuro que procuramos, no interesse dos israelenses e dos palestinos, da região circundante e do mundo.”

A crítica foi acompanhada por dois aliados de Washington, França e Alemanha, conforme reportou o The Times of Israel. Paris instou Israel a “se abster de tais declarações provocativas” e destacou que “a transferência forçada de populações constitui uma violação grave do direito internacional”, tomando como base a Convenção de Genebra e o Estatuto de Roma.

“Não cabe ao governo israelense decidir onde os palestinos devem viver nas suas terras. O futuro da Faixa de Gaza e dos seus habitantes fará parte de um Estado palestino unificado que viva em paz e segurança ao lado de Israel”, disse o Ministério das Relações Exteriores francês.

Já Berlim falou em nome dos parceiros do G7, grupo das democracias mais industrializadas do mundo, afirmando que a posição dos membros é a de que “não deve haver expulsão dos palestinos de Gaza, não deve haver redução territorial da Faixa de Gaza.” Igualmente concluiu que “uma solução de dois Estados continua a ser o único modelo sustentável para israelitas e palestinianos viverem juntos pacificamente.”

Paralelamente, os EUA enviaram o secretário de estado Antony Blinken ao Oriente Médio, talvez o mais claro indicativo da instabilidade regional. “Há obviamente questões difíceis que a região enfrenta e escolhas difíceis pela frente”, disse o porta-voz da diplomacia norte-americana, Matthew Miller, como relatou a AP. “Não é do interesse de ninguém, nem de Israel, nem da região, nem do mundo, que este conflito se espalhe para além de Gaza.”

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