Milícia curda apoiada pelos EUA diz que ofensiva turca na Síria prejudica combate ao EI

Ancara contraria Washington e fala em realizar uma nova incursão contra "terroristas" curdos para "limpar" o norte do país

As Forças Democráticas Sírias (FDS), uma coalizão de milícias curdas apoiada pelo governo dos EUA na Síria, alertaram na quinta-feira (2) para os riscos de uma nova ofensiva por parte da Turquia no norte do país. Segundo o grupo, isso ampliaria a crise humanitária e prejudicaria a luta contra o Estado Islâmico (EI). As informações são da agência Reuters.

Após quatro operações realizadas no norte da Síria desde 2016, o governo de Recep Tayyip Erdogan planeja mais uma, sob a justificativa de eliminar “terroristas” nas áreas de Tal Rifaat e Manbij, no norte. O alvo é a milícia YPG (Unidade de Proteção do Povo), que integra as FDS e controla importantes áreas na região de fronteira com a Turquia.

“Estamos entrando na nova fase de nossa determinação de formar uma zona segura de 30 quilômetros de profundidade ao longo de nossa fronteira sul. Vamos limpar Tal Rifaat e Manbij de terroristas e faremos o mesmo com outras regiões, passo a passo”, disse ele. “Vamos ver quem apoia esses passos legítimos da Turquia e quem os impede”.

Na visão de Mazloum Abdi, comandante das FDS, a ação turca levaria a novos deslocamentos de pessoas e ampliaria o conflito civil. Ele pediu às partes envolvidas na guerra que “impeçam quaisquer novas tragédias e apoiem a desescalada”.

Soldado dos EUA realiza o registro e a calibração de sistema de armas na Síria, 30 de setembro de 2021. (Foto: Isaiah J Scott/US Army)

A Rússia, que apoia o presidente sírio Bashar Al-Assad e está no polo oposto da guerra civil em relação à Turquia, também condenou o anúncio da ofensiva. E disse esperar que Ancara “se abstenha de ações que possam levar a uma deterioração perigosa da já difícil situação na Síria”.

Nesse sentido, os EUA, alinhados com os rebeldes da oposição, acompanharam Moscou. “Achamos que nada deve ser feito para quebrar as linhas de cessar-fogo que já foram estabelecidas”, disse Linda Thomas Greenfield, embaixadora norte-americana na ONU (Organização das Nações Unidas).

O secretário de Estado Antony Blinken também contestou a iniciativa turca, sugerindo que isso pode comprometer o combate ao terrorismo islâmico. “Continuamos efetivamente a levar a luta por meio de parceiros contra o EI dentro da Síria e não queremos ver nada que prejudique os esforços que são feitos para manter o EI na caixa em que o colocamos”.

Os curdos e a guerra

As FDS estão em um terreno obscuro da guerra, que opõe o governo de Bashar Al-Assad aos rebeldes apoiados pela Turquia. A milícia curda tem como principal inimigo o EI, por isso conta com o suporte de Washington.

Ancara considera essa aliança um problema porque classifica a YPG, ligada às FDS, como grupo terrorista. Ela é tida como braço armado do PKK (Partido dos Trabalhadores Curdos), que por sua vez luta pela autonomia curda na Turquia.

Segundo o ministro da Defesa turco Hulusi Akarem, em 35 anos, a “campanha de terror” da milícia curda já matou mais de 40 mil civis e militares. O objetivo do governo é “exterminar o grupo”, disse ele.

Por que isso importa?

A guerra civil na Síria, que já dura mais de 11 anos, opõe Rússia e Irã, aliados do presidente Bashar Al-Assad, à Turquia, que apoia os rebeldes do Exército Livre da Síria (ELS) na luta contra o governo. Mais de 600 mil pessoas já morreram durante a guerra, que varreu a nação e deslocou mais da metade da população, que era de 23 milhões de pessoas.

Desde 2011, a oposição e líderes ocidentais exigem a queda de Assad, a quem acusam de crimes contra a humanidade. Apoiadores de Assad, por outro lado, criticam o que consideram uma interferência de Washington com o intuito de derrubar o presidente.

Após sofrer duras perdas no início do conflito, Assad conseguiu reconquistar território graças à ajuda de seus aliados. A última região com forte presença da oposição armada inclui áreas da província de Idlib e partes das províncias vizinhas de Aleppo, Hama e Latakia.

Em 2020 foi estabelecida uma trégua intermediada por Rússia e Turquia. Ela inclui os rebeldes e as forças do governo, enquanto grupos extremistas como o Estado Islâmico (EI) não fazem parte do pacto.

Apesar da trégua, ataques esporádicos continuam a ocorrer, inclusive com operações militares aéreas lideradas por Moscou. Nesse período, Ancara conseguiu consolidar sua influência no norte da Síria, o que ajudou a evitar uma nova etapa de combates e controlou o fluxo de refugiados.

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