Relatório da ONU indica que o estoque de urânio do Irã aumentou

Chefe da AIEA diz que a atividade de enriquecimento nuclear de Teerã continua elevada, muito além das necessidades comerciais

A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) levantou preocupações sobre o aumento na produção de urânio altamente enriquecido pelo Irã nos últimos três meses.

Segundo um relatório divulgado na segunda-feira (26), entre o final de outubro e o início de fevereiro, Teerã produziu 25 quilogramas de urânio com pureza quase de grau militar, de 60%. Esse número representa um aumento significativo em relação aos menos de sete quilogramas produzidos no trimestre anterior, segundo informações da agência Associated Press (AP).

Em contrapartida, o estoque total de urânio enriquecido a 60% no país diminuiu levemente, caindo para 121,5 quilogramas nos últimos meses, devido à mistura do material com o metal enriquecido a uma porcentagem mais baixa.

Vista aérea do reator de pesquisa nuclear de Teerã (Foto: WikiCommons)

Especialistas alertam que essa combinação poderia ser refinada até atingir um nível adequado para armas nucleares. Cerca de 50 quilogramas de urânio enriquecido a pelo menos 80 a 90% seriam necessários para construir uma bomba nuclear.

Apesar das negativas das autoridades iranianas em buscar armamento nuclear, o diretor-geral da AIEA, Rafael Grossi, levantou preocupações em um relatório recente. Ele apontou para declarações de chefes nucleares do Irã, atuais e anteriores, afirmando que o país tem capacidades técnicas para desenvolver tais armas. Essas declarações aumentam as dúvidas sobre a transparência do programa nuclear iraniano, destacou a agência nuclear.

Além disso, a AIEA divulgou um segundo relatório confidencial, compartilhado com os Estados-membros da ONU (Organização das Nações Unidas), destacando a falta de progresso do Irã em relação à explicação da presença de partículas de urânio artificial em dois locais específicos.

Eric Brewer, vice-presidente da ONG Iniciativa de Ameaça Nuclear (NTI, na sigla em inglês) do James Martin Center for Nonproliferation Studies, dedicada a reduzir a disseminação de armas nucleares e outros materiais relacionados, declarou à AP que o Irã poderia produzir várias bombas nucleares. Segundo ele, com estoques de urânio enriquecido a 60%, “há material para cerca de três armas nucleares“, podendo chegar a mais se enriquecido para 90%.

Considerando também o urânio enriquecido a 20% e 5%, o país teria material para fabricar ainda mais bombas, acrescentou Brewer.

Arma nuclear muito próxima

Embora Teerã negue ter planos de construir armas nucleares, o Ocidente vem alertando que tal objetivo está mais próximo. Em março de 2023, o general Mark Milley, chefe do Estado-Maior Conjunto das forças armadas norte-americana, afirmou que o governo iraniano teria condições de atingir tal meta em “alguns meses” se assim o desejasse.

“O Irã poderia produzir material de fissão para uma arma nuclear em menos de duas semanas e levaria apenas mais alguns meses para produzir uma arma nuclear real”, disse o militar ao Congresso dos EUA, conforme relatou na ocasião o The Wall Street Journal.

Desde 2021 têm se acumulado indícios de que o Irã vem aumentando seu estoque de material atômico. Em dezembro do ano passado, a AIEA disse que o país planejava instalar novas centrífugas em uma usina de enriquecimento de combustível, visando à produção de mais urânio enriquecido a 60%.

Na ocasião, a subsecretária-geral da ONU (Organização das Nações Unidas) para assuntos políticos, Rosemary DiCarlo, estimou que o país tenha agora um estoque total de urânio enriquecido de mais de 18 vezes a quantidade permitida pelo Plano de Ação Conjunto Global (JCPOA, na sigla em inglês), o acordo nuclear assinado em 2015.

Por sua vez, Teerã alega que seu programa nuclear é usado para fins puramente pacíficos. No entanto, é o único país sem armas nucleares que produz urânio altamente enriquecido a 60%.

O acordo nuclear

O ex-presidente norte-americano Barack Obama foi o responsável pelo histórico acordo de cooperação entre Washington e Teerã, firmado em 2015, para que os iranianos deixassem de investir em armas nucleares. A resolução 2231 da ONU rege o JCPOA e garante que a AIEA tenha acesso regular ao programa nuclear iraniano.

À época do acordo, o então candidato Donald Trump afirmava em campanha que o pacto era “estúpido”. Eleito, o republicano cumpriu a promessa de retirar seu país da tratativa, impondo ainda novas sanções ao Irã, que em consequência retomou o investimento em armas nucleares.

Posteriormente, as duas partes começaram a debater a possibilidade de retomar o pacto. Entretanto, a relação se deteriorou novamente quando Teerã removeu de suas instalações nucleares as câmeras de monitoramento instaladas pela AIEA.

Rafael Grossi, chefe da agência, afirmou que a medida deixou o órgão “cego”, carente de informações atualizadas quanto à quantidade de material e ao número de centrífugas de que o pais dispõe.

União Europeia (UE), então, passou a intermediar novas negociações, mas as conversas foram abandonadas em meio aos protestos populares que tomaram as ruas iranianas desde setembro de 2022, após a morte da jovem Mahsa Amini sob custódia da “polícia da moralidade”.

“O JCPOA não está na agenda há meses”, declarou no final de janeiro de 2023 Ned Price, porta-voz do Departamento de Estado dos EUA.

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