Um membro de uma aliança rebelde de Mianmar, que combate o autoritário regime liderado pelo general Min Aung Hlaing, declarou que os insurgentes estão comprometidos em proteger os interesses chineses no norte do país. As informações são da rede Radio Free Asia.
O Exército da Aliança Democrática Nacional de Mianmar (MNDAA) garantiu a proteção de cidadãos e investimentos chineses enquanto a disputa por uma importante cidade no estado de Shan se intensifica, conforme anunciado pelo grupo na terça-feira (30).
Vários cessar-fogos negociados com a ajuda da China entre a Aliança das Três Irmandades de Mianmar – formada pela coalizão rebelde que unifica MNDAA, o Exército Arakan e o Exército de Libertação Nacional de Ta’ang –, e as forças da junta não conseguiram garantir uma paz duradoura desde janeiro. Após a última trégua chegar ao fim em 22 de julho, os combates por Lashio, a principal cidade no norte do estado de Shan, aumentaram.
O MNDAA afirma ter capturado a maior parte da cidade, incluindo um quartel-general militar regional, mas a junta nega essa informação. O grupo também prometeu que consultará seus aliados e tomará medidas para proteger os investimentos e funcionários chineses de qualquer dano.

Ouvido pela reportagem, o analista político Than Soe Naing disse que os grupos rebeldes que resistem à junta já são responsáveis por proteger os interesses chineses por conta de um acordo anterior. Segundo ele, a renovação da declaração pode ser uma reação a um alerta de Beijing para que esses grupos sejam mais cautelosos durante os combates.
Naing afirmou que os interesses da China no norte do estado de Shan incluem garantir a segurança das rotas comerciais e a estabilidade da fronteira, além de combater golpes online. “Assim, a China confia no Comitê Consultivo e de Negociação Política Federal para proteger seus interesses”, acrescentou.
Investimentos chineses em risco
A China é um dos maiores parceiros comerciais de Mianmar e investiu bilhões de dólares em setores como mineração, petróleo e gás natural no país rico em recursos. Além disso, Beijing fornece armas para a junta militar, desrespeitando um pedido de embargo global feito pela ONU para enfraquecer o regime.
Os oleodutos e gasodutos atravessam os estados de Shan e Rakhine – neste último os combates colocaram em risco a segurança dos funcionários chineses.
O MNDAA disse que pedirá ajuda aos seus aliados para apoiar cidadãos chineses feridos e negócios afetados pela guerra.
O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Mao Ning, afirmou que a segurança das fronteiras e dos investimentos chineses em Mianmar deve ser preservada.
Por meio da iniciativa da Nova Rota da Seda, a China tem investimentos em Mianmar em projetos como uma zona econômica especial com um porto de águas profundas, além da construção de centrais de energia e uma linha ferroviária.
Diante dos riscos, Beijing pediu o fim dos conflitos em Mianmar e afirmou que pressionará por um cessar-fogo e negociações.
Por que isso importa?
Mianmar enfrenta “uma campanha de terror com força brutal”, segundo palavras da ONU. A repressão imposta pelo governo militar foi uma reação às eleições presidenciais de novembro de 2020.
Na ocasião, o partido NLD venceu as eleições com 82% dos votos, ainda mais do que havia obtido no pleito de 2015. Em fevereiro de 2021, então, a junta militar, que já havia impedido a sigla de assumir o poder antes, prendeu a líder democrática Aung San Suu Kyi, dando início a protestos respondidos com violência pelas forças de segurança nacionais.
As ações abusivas da junta levaram ao isolamento global de Mianmar, e em dezembro de 2022 o Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução histórica que insta os militares a libertar Suu Kyi. A Resolução 2669 ainda exige “o fim imediato de todas as formas de violência” e pede que “todas as partes respeitem os direitos humanos, as liberdades fundamentais e o Estado de Direito”.
A proposta, feita pelo Reino Unido, foi aprovada no dia 21 de dezembro de 2022 com 12 votos a favor. Os membros permanentes China e Rússia se abstiveram, optando por não exercer vetos. A Índia também se absteve.
Beijing e Moscou, por sinal, estão entre os poucos governos do mundo que mantêm relações formais com Mianmar, inclusive vetando resoluções que venham a condenar a brutalidade dos atos contra opositores e a população civil em geral, como no caso de dezembro de 2022.
Inicialmente, o golpe de Estado foi recebido com reprovação pela China, que vinha dialogando para firmar acordos comerciais com o governo eleito e perdeu financeiramente com a queda. Mas o cenário mudou rapidamente. Para não se distanciar da junta, Beijing classificou a prisão de Suu Kyi e de outros funcionários do governo como uma “remodelação de gabinete”, palavras usadas pela agência de notícias estatal Xinhua.
A China é um também dos principais fornecedores de armas para a juntar militar, desrespeitando um pedido de embargo global feito pela ONU para enfraquecer o regime birmanês. Há indícios de que as forças locais seguem se equipando com novos armamentos chineses, tendo ainda como fornecedores complementares a Rússia e o Paquistão.