Operação contra fraudadores evidencia a aliança entre a China e a junta militar de Mianmar

Beijing ajuda o regime birmanês a amenizar o isolamento global e amplia sua influência regional através de parcerias na área de segurança

O governo de Mianmar entregou às autoridades chinesas, na sexta-feira (15), mais de 1,2 mil suspeitos de integrarem uma rede de grupos que aplicavam golpes via telefone e internet. Embora a megaoperação tenha sido realizada pela polícia birmanesa, a China terá a primazia de julgar os fraudadores. Na opinião de analistas ouvidos pelo jornal South China Morning Post, o episódio evidencia a solidez da aliança entre Beijing e a junta militar de Mianmar, isolada globalmente devido à violenta repressão em vigor no país.

Desde o golpe de Estado de 2021, Mianmar passou a ser alvo de sanções voltadas a sufocar o governo militar, acusado de detenções arbitrárias, desaparecimentos forçados, execuções extrajudiciais e outros crimes que atingem inclusive a população civil. Grupos humanitários calculam mais de quatro mil civis mortos pelo regime, com cerca de 24 mil detidos. Sob pressão, a junta foi isolada globalmente, tendo encontrado em Beijing um parceiro crucial.

Soldados de Mianmar durante desfile militar em Naipidau (Foto: Wikimedia Commons)

Inicialmente, o golpe de Estado não foi bem recebido na China, que negociava acordos comerciais com o governo eleito e perdeu financeiramente com a tomada de poder pelos militares. Mas o cenário mudou rapidamente. Para não se distanciar da junta, Beijing classificou a prisão da líder democrática Aung San Suu Kyi e de outros funcionários do governo como uma “remodelação de gabinete”, palavras usadas pela agência de notícias estatal chinesa Xinhua.

Aos poucos, Beijing e Naipidau foram se reaproximando, e um sinal evidente de colaboração entre os dois governos é o posicionamento chinês na ONU (Organização das Nações Unidas), invariavelmente vetando resoluções que venham a condenar a brutalidade dos atos praticados pela junta militar birmanesa contra opositores e a população civil em geral.

A China é um também dos principais fornecedores de armas para a junta, desrespeitando um pedido de embargo global feito pela ONU para enfraquecer o regime. Há indícios de que os militares se equipam com armamentos chineses, tendo como fornecedores complementares Rússia e Paquistão. A parceria na megaoperação contra os cibercriminosos é mais um sinal da solidez da aliança entre os vizinhos.

“Isso diz algo sobre uma relação mais forte e mais próxima entre a China e o regime militar em Mianmar”, disse Htwe Htwe Thein, professor associado de negócios internacionais na Universidade de Curtin, na Austrália, e cujo trabalho é focado no pequeno país do Sudeste Asiático.

Segundo o especialista, a colaboração entre as autoridades no caso dos fraudadores é uma excelente oportunidade para Mianmar “fortalecer os laços” com a China e “melhorar sua posição na região”, considerando a “falta de amigos dos militares” atualmente.

Não é só o Ocidente que tem se distanciado do violento regime birmanês. A Asean (Associação das Nações do Sudeste Asiático), que rejeita o golpe e a violência da junta, também impôs duras derrotas aos militares nos últimos meses, proibindo o país de assumir a presidência rotativa do bloco regional em 2026, como estava programado.

A crise entre a Asean e Mianmar ganhou contornos mais sérios em maio deste ano, quando um comboio humanitário do bloco foi pego no fogo cruzado durante um confronto entre as forças armadas e grupos rebeldes. Não houve feridos, mas o episódio levou Indonésia e Singapura a condenarem publicamente a violência do regime.

“Mianmar tem poucos amigos a nível internacional, por isso não tem outra escolha que não seja confiar na China”, afirmou Benjamin Ho, professor assistente do Programa China da Escola de Estudos Internacionais S. Rajaratnam, em Singapura. Segundo ele, a aliança entre as duas nações tem ainda uma base ideológica, por “partilharem interesses estratégicos como sendo antiocidentais.”

O combate aos fraudadores digitais é atualmente uma prioridade da China, que identificou um aumento desse tipo de crime nos últimos anos. Muitos cibercriminosos agem a partir de países estrangeiros e têm como alvo cidadãos chineses, sendo Mianmar um dos redutos. Eles se escondem principalmente nas regiões autônomas controladas por grupos étnicos que combatem a junta militar, e a prisão dos infratores é um interesse tanto de Beijing quanto de Naipidau.

Nesse sentido, Thein diz que a parceria com o governo chinês é crucial para fortalecer a junta nas regiões autônomas, onde os militares têm  “influência ou poder muito limitados.”

De quebra, a aliança ajuda a China a ampliar sua influência regional através da Iniciativa de Segurança Global, um sistema de tratados e alianças para enfrentar problemas como terrorismo, crime transnacional, tráfico de drogas, desastres naturais, proliferação nuclear, mudança climática e cibersegurança.

De acordo com Amara Thiha, do Instituto de Investigação para a Paz de Oslo, o sucesso das operações contra os fraudadores em Mianmar foi uma “vitrine” da iniciativa chinesa e mostra que o país está “preenchendo uma lacuna de segurança e mostrando a sua liderança” na região.

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