O exercício militar realizado na segunda-feira (14) pelo Exército de Libertação Popular (ELP) marcou a maior incursão por parte da China em Taiwan, com um número recorde de aviões e navios no entorno da ilha. A manobra deixou claro que o governo chinês tem poder de fogo suficiente para sufocar o território vizinho, que reivindica como seu, o que levou uma autoridade taiwanesa a afirmar que a ameaça hoje é “maior que nunca”.
De acordo com a rede CNN, o Ministério da Defesa Nacional taiwanês identificou 153 aeronaves chinesas durante um período de 25 horas entre segunda e terça-feira. Destas, 111 cruzaram a Linha Mediana, uma fronteira informal que até recentemente era respeitada por Beijing. Antes, o maior número de aviões chineses no entorno da ilha havia sido de 103 ao longo de 24 horas, em setembro de 2023.
A manobra militar chinesa foi condenada pelo governo de Taiwan, que a classificou como “irracional e provocativa”, de acordo com a rede Radio Free Asia (RFA). O governo norte-americano igualmente se manifestou e disse estar “seriamente preocupado”. O porta-voz do Departamento de Estado Matthew Miller, citado pela revista Newsweek, disse que os EUA “monitoram as atividades da RPC (República Popular da China) e coordenam com aliados e parceiros” suas “preocupações compartilhadas”.

O jornal The New York Times, por sua vez, argumentou que o objetivo da China durante os exercícios foi testar sua capacidade de sufocar a ilha, emulando o cenário de um bloqueio aéreo e naval que cortaria o acesso aos portos taiwaneses e a outras áreas importantes.
O bloqueio da ilha é uma hipótese que vem sendo levantada há tempos por analistas. Seria uma forma de a China sufocar Taiwan sem necessariamente iniciar uma guerra, jogando para os aliados ocidentais a decisão de abrir fogo ou não. Se colocada em prática, a medida aceleraria o consumo de materiais essenciais e levaria Taiwan ao colapso.
Em 2020, o governo taiwanês publicou um documento segundo o qual o bloqueio surge como alternativa porque, ao contrário dele, a invasão criaria um “risco político e militar significativo” para Beijing. Avaliação semelhante à do almirante Karl Thomas, veterano oficial da Marinha norte-americana ouvido pelo The Wall Street Journal em setembro de 2022.
Para Thomas, bloquear a ilha surge como uma opção menos danosa e igualmente efetiva. “Eles têm uma Marinha muito grande. Se quiserem intimidar e colocar navios em Taiwan, podem fazer isso”, disse o militar na ocasião, concordando que a ação não letal colocaria as nações ocidentais, sob a liderança dos EUA, em uma encruzilhada quanto à melhor forma de punir a China.
Apesar das alternativas apresentadas nas recentes manobras militares, uma invasão militar segue no radar chinês. “Estamos dispostos a lutar pela perspectiva de reunificação pacífica com a máxima sinceridade e empenho”, disse Chen Binhua, porta-voz do Gabinete de Assuntos de Taiwan na China, citado pela agência Reuters. “Mas nunca nos comprometeremos a renunciar ao uso da força”, adicionou.
E o exercício de segunda-feira deixou claro que o ELP está em condições de agir, independentemente da alternativa escolhida, bloqueio ou invasão.
“Eles se aproximaram muito de Taiwan. Eles aumentaram a pressão sobre Taiwan e reduziram o tempo de resposta de Taiwan”, disse um oficial taiwanês à Reuters, que não revelou a identidade da fonte devido à sensibilidade do tema. “Este exercício apresentou uma ameaça maior que nunca para Taiwan.”
O The New York Times avalia que a coordenação entre as diversas áreas do ELP e a Guarda Costeira da China mostrou evolução, e as frequentes incursões militares chinesas forçam Taiwan a conviver com uma nova realidade de pressão permanente que esgota suas forças de defesa. Isso cria mecanismos até para uma eventual rendição, que daria a Beijing uma vitória sem a necessidade de lutar ou bloquear a ilha.
“Beijing está normalizando o uso dessas atividades militares e da Guarda Costeira em larga escala sob a administração Lai [Ching-te, presidente de Taiwan]”, disse ao jornal Brian Hart, analista do China Power Project no think tank Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais. “Eles deixaram claro que, se virem coisas que percebam como provocativas de Taiwan, responderão dessa forma.”