A Costa do Marfim anunciou o fim da presença militar francesa em seu território, tornando-se o mais recente país africano a afastar tropas da antiga potência colonial. O presidente Alassane Ouattara confirmou que a base militar em Abidjan será entregue às forças marfinenses ainda neste mês, decisão que reflete uma tendência crescente na África Ocidental, onde países como Mali, Burkina Faso, Níger, Chade e Senegal já tomaram medidas semelhantes. As informações são da rede Deutsche Welle (DW).
O movimento vem em um momento delicado para a França, que tem enfrentado resistência crescente em sua antiga esfera de influência. Nos últimos anos, Paris foi forçada a reorganizar sua presença militar na região, agora limitada a Djibouti e Gabão. “Podemos nos orgulhar do nosso exército, cuja modernização agora é uma realidade. Foi nesse contexto que decidimos a retirada organizada e consensual das forças francesas”, declarou Ouattara.
Especialistas avaliam que a medida também é uma resposta ao sentimento soberanista que se espalha pela região. Seidik Abba, analista do Centro de Estudos e Reflexões sobre o Sahel, avalia que os países do Sahel estão reafirmando sua autonomia, e a decisão da Costa do Marfim é parte desse movimento. Ainda segundo ele, a eleição presidencial de 2025 no país também influencia no anúncio.

Embora as tropas francesas estejam deixando o país, a cooperação militar entre França e Costa do Marfim continuará. Segundo Abba, a colaboração será mantida em áreas como treinamentos e trocas estratégicas, diferentemente de casos mais extremos, como Mali e Burkina Faso, onde as relações foram rompidas.
“Esse ângulo faz sentido porque permite que tanto a França quanto a Costa do Marfim mantenham as aparências, ao mesmo tempo que mostra que a Costa do Marfim continua fazendo parte dessa dinâmica soberanista observada na região”, explicou o analista.
Paris em retirada
A saída das tropas francesas da Costa do Marfim é apenas o capítulo mais recente de um declínio na presença militar de Paris na África Ocidental. Desde 2020, tensões políticas e golpes de Estado levaram governos em países como Níger e Mali a optarem pela expulsão de soldados franceses, frequentemente substituídos por forças russas.
Essa mudança ocorre enquanto Emmanuel Macron enfrenta críticas internas e externas por comentários que geraram mal-estar entre líderes africanos. Durante uma reunião com embaixadores, o presidente francês lamentou que os países africanos “esqueceram de agradecer” pelo apoio militar de Paris contra insurgências islâmicas.
A declaração foi amplamente criticada, inclusive pelo líder do Chade, Mahamat Idriss Déby Itno, que classificou Macron como estando “em uma era equivocada”.
Desafios e novas alianças
A saída da França abre espaço para novas parcerias na região, mas também expõe vulnerabilidades. A Costa do Marfim, embora mantenha laços com Paris, busca diversificar suas relações, alinhando-se a iniciativas como o bloco BRICS e fortalecendo acordos bilaterais com países como China e Estados Unidos.
Segundo a socióloga sul-africana Tessa Dooms, o reordenamento das alianças africanas é um reflexo de líderes que questionam antigos modelos de governança. O problema, segundo ela, é que a saída de um país significa a entrada de outro. No caso, a Rússia.
“O problema surge quando há uma estratégia de dividir para governar em termos de interesses externos do continente, e esse tem sido o problema crônico da África”, disse ela à DW. “Mesmo que a região do Sahel esteja se livrando dos franceses, ela não pode simplesmente se livrar dos franceses. Significa apertar as mãos dos outros.”