França enfrenta crise de influência na África, com saída de tropas e alianças em risco

Mudanças políticas e militares indicam o enfraquecimento do domínio francês e a busca por novas parcerias pelos africanos

A França está enfrentando o maior desafio à sua influência na África em décadas, com sinais claros de que sua presença militar permanente na região está ameaçada. Na última semana, dois dos principais aliados franceses no continente, Chade e Senegal, anunciaram mudanças significativas em suas relações de defesa com Paris. As informações são do jornal Independent.

No Dia da Independência do Chade, o governo local declarou o fim da cooperação em defesa com a França, ressaltando a necessidade de redefinir sua soberania. Horas depois, em entrevista ao jornal Le Monde, o novo presidente do Senegal, Bassirou Diomaye Faye, afirmou que a retirada de soldados franceses de solo senegalês era “uma questão de tempo”.

“Só porque os franceses estão aqui desde o período da escravidão não significa que seja impossível fazer diferente”, declarou Faye.

Os anúncios ocorrem enquanto o presidente Emmanuel Macron busca reposicionar a presença militar e econômica da França na África. Autoridades francesas têm defendido uma redução significativa das tropas permanentes, com exceção de Djibuti, e uma abordagem mais flexível, oferecendo treinamento especializado em vigilância aérea e drones.

Exército francês realiza operação conjunta com forças do Níger no Sahel (Foto: Facebook/@armee2terre)

Essa mudança faz parte de uma estratégia maior para renovar parcerias, apresentada por Macron em 2017, mas que enfrenta crescente resistência em países africanos. Protestos anti-França e governos que prometem redefinir relações com o Ocidente têm impulsionado o fortalecimento de laços com potências como Rússia, China e Turquia.

Mucahid Durmaz, analista da Verisk Maplecroft, uma consultoria global especializada em análise de risco e inteligência estratégica, classificou a decisão do Chade como “o último prego no caixão do domínio militar pós-colonial da França na região do Sahel”. Ele ressaltou que o afastamento reflete uma transformação estrutural no relacionamento entre a África e a França, onde a influência política e militar de Paris continua a diminuir.

Contexto e impacto regional

A saída de tropas francesas tem gerado um vácuo de segurança em países como Mali, Níger e Burkina Faso, que expulsaram forças de Paris nos últimos anos. Em resposta, esses governos se aproximaram da Rússia, muitas vezes contratando mercenários do Wagner Group. No entanto, essa mudança não trouxe estabilidade: o número de ataques extremistas e mortes de civis na região cresceu 25% nos primeiros seis meses deste ano, segundo o Projeto de Dados de Localização e Eventos de Conflitos Armados.

“Embora a saída das forças francesas tenha criado um enorme vácuo de segurança, é improvável que a Rússia consiga preenchê-lo”, avaliou Shaantanu Shankar, analista da revista The Economist. Ele destacou que mercenários russos são financiados por governos com recursos limitados, o que reduz sua capacidade de operação.

Enquanto isso, o presidente do Chade, Mahamat Deby, tem buscado novos parceiros para garantir a segurança do país, incluindo os Emirados Árabes Unidos e a Turquia. O Chade faz fronteira com quatro países onde a Rússia mantém presença militar, o que pode explicar a aproximação com Moscou nos últimos meses.

Apesar das críticas, Paris ainda mantém tropas em vários países africanos, como Costa do Marfim, Senegal e Gabão. No entanto, a crescente demanda por redefinições na relação entre a França e seus antigos aliados evidencia um enfraquecimento de sua influência, deixando claro que a era de Françafrique está chegando ao fim.

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