Ataques dos EUA ao Irã prejudicam as ambições da Rússia ou Putin pode usá-los a seu favor?

Artigo diz que escalada no Oriente Médio pressiona Moscou a escolher entre condenar Washington ou buscar protagonismo nas negociações

Este artigo foi publicado originalmente em inglês no site da rede Radio Free Europe (RFE)

Por Nathan Hodge

A decisão do presidente dos EUA, Donald Trump, de lançar ataques contra o Irã apresenta ao presidente russo, Vladimir Putin, perigo e oportunidade: os ataques atingiram um parceiro estratégico de Moscou, mas podem abrir uma janela potencial para a relevância diplomática da Rússia.

Após os ataques dos EUA a pontos-chave do complexo nuclear do Irã, Teerã está olhando para Moscou. O ministro das Relações Exteriores iraniano, Abbas Araqchi, disse no domingo (22) que partiria para a Rússia para consultas com Putin nesta segunda (23).

Falando em uma coletiva de imprensa à margem de uma reunião em Istambul da Organização para a Cooperação Islâmica, Araqchi disse que teria “consultas sérias com o presidente russo” sobre a escalada de um conflito que agora envolveu diretamente os Estados Unidos.

Isso não é surpresa. Irã e Rússia aprofundaram os laços nos últimos meses, com os dois países concluindo um acordo de parceria estratégica durante uma visita do presidente iraniano Masud Pezeshkian ao Kremlin em janeiro. E a visita de Araqchi parece já estar em andamento: Andrea Mitchell, da NBC News, disse na sexta-feira (20) que o ministro das Relações Exteriores iraniano lhe disse que iria para Moscou.

A reação oficial do Ministério das Relações Exteriores da Rússia aos ataques dos EUA contra o Irã foi de condenação inequívoca. Em uma declaração publicada no domingo, o Ministério das Relações Exteriores da Rússia disse que Moscou “condena de forma decisiva” os ataques dos EUA contra instalações nucleares iranianas, dizendo que a “decisão irresponsável de submeter o território de um Estado soberano a ataques com mísseis e bombas, independentemente dos argumentos em torno dela, viola grosseiramente o direito internacional, a Carta da ONU e as resoluções do Conselho de Segurança da ONU, que anteriormente classificaram inequivocamente tais ações como inaceitáveis.”

O presidente da Rússia, Vladimir Putin (esq.), e o líder iraniano Ali Khamanei, março de 2016 (Foto: english.khamenei.ir/WikiCommons)

Palavras fortes, apesar da clara ironia: um aspecto da parceria de Moscou com Teerã tem sido a transferência de tecnologia de drones que permitiu às forças militares russas continuar seu bombardeio a cidades ucranianas.

Mas a parceria estratégica Irã-Rússia não é um pacto de defesa mútua. O governo russo também deixou claro nas últimas semanas que o acordo de parceria não o obriga a defender o Irã caso este seja atacado. E, em seus comentários públicos mais recentes sobre o conflito Israel-Irã, Putin adotou um tom um tanto moderado.

Em comentários na sessão plenária do 28º Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo, na sexta, Putin referiu-se ao “direito legítimo” do Irã de realizar o enriquecimento de urânio para o desenvolvimento de energia nuclear civil, mas reconheceu o que chamou de “preocupações de segurança de Israel” em relação às ambições nucleares do Irã. E o presidente russo sugeriu – de maneira um tanto indireta – que a Rússia poderia desempenhar um papel intermediário para encerrar o conflito.

“Apresentamos nossa posição a ambas as partes”, disse ele. “Como sabem, mantemos contato com Israel, assim como com nossos amigos no Irã. Temos certas propostas envolvendo a Rússia.”

“Devo enfatizar que de forma alguma estamos nos posicionando como intermediários”, acrescentou Putin. “Estamos apenas apresentando ideias.”

Antes do lançamento de uma campanha aérea surpresa por Israel contra o Irã em 13 de junho, diplomatas russos já haviam apresentado uma proposta concreta: que a Rússia poderia assumir a custódia do material nuclear do Irã para conversão em combustível para reatores.

A influência diplomática da Rússia sobre o Irã tem sido uma carta importante na mão de Putin. A Rússia foi um dos signatários do Plano de Ação Conjunto Global (JCPOA), o acordo de 2015 para limitar as ambições nucleares do Irã. Embora a Rússia tenha sido cada vez mais isolada do Ocidente desde a anexação da Crimeia em 2014 e a subsequente invasão em grande escala da Ucrânia em 2022, a influência de Moscou sobre Teerã tem sido frequentemente vista como chave para qualquer acordo negociado com o Irã.

Em um comentário publicado antes dos ataques dos EUA ao Irã, Andrey Kortunov, do Conselho Russo de Assuntos Internacionais, vinculado ao governo, disse que a parceria estratégica da Rússia com o Irã poderia potencialmente dar a Moscou a capacidade de desempenhar o papel de “mediador imparcial” para resolver ou reduzir o conflito.

“Dessa forma, Moscou fortaleceria sua influência na região após a queda do regime sírio de Bashar al-Assad” no ano passado, escreveu Kortunov. “No entanto, a escalada contínua é acompanhada de riscos sérios e custos potenciais para Moscou. O fato permanece: a Rússia não conseguiu impedir o ataque maciço de Israel contra um estado com o qual assinou um acordo de parceria estratégica abrangente apenas cinco meses atrás. Moscou claramente não está pronta, além de declarações políticas condenando as ações de Israel, para fornecer assistência militar ao Irã também.”

Muita coisa mudou desde que o JCPOA foi assinado: Trump retirou-se do acordo nuclear com o Irã em 2018; o Irã respondeu expandindo seu programa de enriquecimento de urânio; e o colapso do regime de Assad, cliente tanto da Rússia quanto do Irã, e a decapitação do Hezbollah por Israel causaram um revés debilitante ao chamado “eixo de resistência” do Irã.

O conflito no Oriente Médio está agora evoluindo ainda mais rapidamente após a intervenção militar direta dos EUA. A Rússia agora está em uma posição econômica menos segura – o ministro do Desenvolvimento Econômico da Rússia, Maksim Reshetnikov, disse na semana passada que a economia russa estava à beira da recessão – embora uma crise em espiral no Oriente Médio pudesse elevar os preços do petróleo, uma pedra angular do poder econômico russo.

Falando na semana passada em São Petersburgo, Putin citou Mark Twain ao ser questionado sobre o impacto da guerra na Ucrânia na economia da Rússia, dizendo: “Como disse um escritor famoso: ‘As notícias sobre a minha morte foram muito exageradas.’”

Mas essa guerra continua inabalável, com alto custo humano e econômico para a Rússia. Com os EUA entrando em um envolvimento militar direto no Irã, não está claro se Putin continuará desfrutando da mesma influência geopolítica que teve no passado.

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