Equipamentos militares fabricados no Reino Unido foram encontrados em campos de batalha no Sudão, utilizados pelas Forças de Apoio Rápido (RSF), grupo paramilitar acusado de genocídio e crimes de guerra. A informação consta em dois dossiês confidenciais analisados pelo Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas), que levantam novas dúvidas sobre as exportações de armas britânicas aos Emirados Árabes Unidos. As informações são do The Guardian.
Os relatórios, datados de junho de 2024 e março de 2025, foram elaborados por militares sudaneses e contêm provas de que sistemas de mira e motores britânicos equipam veículos blindados usados pela RSF em combates contra o Exército do Sudão. O conflito, que já dura três anos, provocou mais de 150 mil mortes, deslocou 12 milhões de pessoas e deixou 25 milhões em situação de fome aguda, segundo a ONU.
De acordo com os documentos, parte do material foi exportada aos Emirados Árabes Unidos, que teriam repassado os equipamentos à RSF, o que viola os embargos de armas impostos pelas Nações Unidas. Imagens anexadas aos dossiês mostram dispositivos de mira fabricados pela empresa britânica Militec, sediada no País de Gales, recuperados em antigas posições da milícia nas cidades de Cartum e Omdurman.

Apesar das denúncias, registros oficiais indicam que o governo britânico continuou emitindo licenças de exportação para os Emirados até setembro de 2024. Essas licenças permitiam o envio ilimitado de equipamentos militares sem a obrigação de rastrear o destino final.
“O Reino Unido é legalmente obrigado a não autorizar exportações de armas quando há um risco claro de desvio ou uso em crimes internacionais”, afirmou Mike Lewis, pesquisador e ex-integrante do painel da ONU sobre o Sudão. “Mesmo antes dessas novas evidências, essas licenças não deveriam ter sido emitidas”.
A Associação da Diáspora de Darfur, com sede em Londres, pediu uma investigação urgente sobre a possível cumplicidade do Reino Unido na transferência de armas. “A comunidade internacional deve garantir que nenhuma tecnologia britânica contribua para o sofrimento dos civis sudaneses”, disse o presidente da entidade, Abdallah Idriss Abugarda.
Os Emirados Árabes Unidos negam fornecer apoio militar à RSF.
Além dos sistemas de mira, os dossiês incluem imagens de veículos blindados Nimr Ajban, produzidos pelo conglomerado estatal Edge Group, dos Emirados. Um dos motores desses veículos, apreendido em território sudanês, tem placa de fabricação da Cummins Inc., subsidiária britânica da empresa americana.
A Cummins declarou possuir “forte cultura de conformidade” e negou qualquer relação com exportações destinadas ao Sudão. O Ministério das Relações Exteriores britânico, por sua vez, afirmou que o Reino Unido mantém “um dos regimes de controle de exportações mais rigorosos do mundo” e que todas as licenças são avaliadas “com base no risco de uso indevido”.
Mesmo assim, analistas da ONU apontam que as evidências reforçam um padrão de desvio de armamentos britânicos via Emirados, semelhante ao que já havia sido registrado na Líbia, Iêmen e Afeganistão.
Com a guerra civil sudanesa se intensificando e denúncias de limpeza étnica em Darfur, cresce a pressão internacional para que Londres e Abu Dhabi expliquem como tecnologia militar britânica acabou nas mãos de uma das milícias mais violentas do continente africano.
Por que isso importa?
O Sudão vive um violento conflito civil que coloca frente a frente dois generais que comandam o país africano desde o golpe de Estado de 2021: Abdel Fattah al-Burhan, chefe das SAF, e Mohamed Hamdan “Hemedti” Daglo, à frente da milícia das RSF.
As tensões decorrem de divergências sobre a incorporação dos combatentes das RSF às Forças Armadas, o que levou a milícia a se insurgir. Hemedti tinha originalmente entre 70 mil e cem mil homens sob seu comando, de acordo com a rede Deutsche Welle (DW), enquanto al-Burhan liderava um efetivo de cerca de 200 mil no início do conflito.
No dia 16 de abril, um domingo, explosões puderam ser ouvidas no centro da capital Cartum, mais precisamente no entorno do quartel-general militar do Sudão e do palácio presidencial, locais estratégicos reivindicados tanto por militares quanto pelas RSF.
O aeroporto internacional da capital, tomado pela milícia, foi bombardeado com civis dentro. Aeronaves foram destruídas, e caças da força aérea sudanesa e tanques foram usados contra os paramilitares.
Embora as SAF sejam mais bem equipadas e em maior número, as RSF são igualmente bem treinadas, o que equilibra as ações. O balanço de forças apenas prolonga as hostilidades e a violência decorrente, com nenhum dos dois lados conseguindo se impor sobre o inimigo.
A terrível situação gera uma grave escassez de suprimentos essenciais, já que as entregas de produtos comerciais e de ajuda humanitária foram fortemente restringidas pelos combates e pelos desafios de acesso ao território controlado pelas RSF.