Irã vive seca extrema e discute até evacuar Teerã enquanto população reza por chuva

Sem chuvas há mais de 50 dias, Teerã registra apenas 1 mm de precipitação no ano. Governo fala em evacuação e iranianos alternam entre ciência, desespero e fé

O Irã enfrenta uma das piores secas de sua história recente. A estação chuvosa começou há mais de 50 dias, mas mais de 20 províncias ainda não registraram sequer uma gota de chuva. Em Teerã, o número é simbólico e alarmante: apenas 1 mm de precipitação em todo o ano, algo que segundo autoridades ocorre uma vez a cada século. As informações são do The Guardian.

A situação se tornou crítica a ponto de transformar a chuva, ou sua ausência, em tema nacional. Imãs de mesquitas rezam por um milagre, meteorologistas contam os dias para uma possível mudança no clima e a população acompanha boletins sobre “nuvens carregadas” como manchetes de impacto.

Pai e filho ao lado de barco abandonado na árida região de Hamun (Foto: WikiCommons)
Represas quase vazias e avanço da seca

O número de represas com menos de 5% da capacidade saltou de oito para 32 reservatórios. A seca, antes concentrada na região central do país, agora atinge praticamente todo o território iraniano.

Além disso, a cobertura de neve caiu 98,6% em relação ao ano passado, um dado que especialistas consideram sem precedentes.

Com a falta de chuvas persistente, autoridades lançaram operações de semeadura de nuvens, técnica que pulveriza iodeto de prata e sal sobre formações atmosféricas para tentar induzir a precipitação.

Ao mesmo tempo, cidades e vilarejos organizam orações públicas pela chuva, relembrando exemplos históricos como o episódio de 1944 em Qom, quando três dias de preces foram seguidos de chuva após meses de seca.

Debate religioso e político ganha força

A calamidade reacendeu discussões sobre moralidade e fé. O aiatolá Mohsen Araki associou a seca à “devassidão nas ruas”.

O Grande Aiatolá Javadi Amoli reforçou que “problemas culturais e sociais podem eliminar os motivos para a misericórdia”.

Parlamentares conservadores culparam o governo por não aplicar leis mais rígidas sobre o hijab. A base do presidente Masoud Pezeshkian rebateu com ironia: “Por que a Europa, onde mulheres mostram o cabelo, é tão verde?”

Uma manchete viralizou no país: “Por que países ateus têm mais chuva?”.

Ceticismo, teorias e desinformação

A falta de chuva também tem alimentado teorias de manipulação climática. Kaveh Madani, ex-vice-diretor da Agência de Proteção Ambiental, diz que passou a ouvir perguntas de todo tipo: “As nuvens foram roubadas?”, “Queimar diesel impede a chuva?”, “É possível evaporar a água do Golfo Pérsico e levar essa umidade até os Montes Zagros para chover lá?”.

Para ele, essas dúvidas revelam a perplexidade de uma população que tenta entender o que aconteceu com o clima do país.

Evacuação de Teerã entra no debate

Pezeshkian shockou parte do governo ao sugerir publicamente que, se não chover até meados de dezembro, Teerã poderia precisar ser evacuada e sua população transferida para o sul.

A declaração foi rejeitada por outras autoridades, mas especialistas não descartam completamente o cenário.
O acadêmico Dariush Mokhtari afirmou que áreas dependentes de represas podem, sim, necessitar de evacuação.

Mostafa Fadaei Fard levantou outra questão:

“Existe alguma cidade ou acampamento capaz de receber mais de 15 milhões de pessoas? E se não chover em outras regiões, o país inteiro teria de ser evacuado?”

A cidade já vive racionamento parcial, com redução da pressão da água após a meia-noite. O consumo caiu 10% em sete meses, mas autoridades dizem que seria necessária uma redução de 20% para aliviar a crise.

O ambientalista Mohammad Darwish acredita que a crise está fortalecendo um novo movimento ambientalista iraniano, focado em adaptação e gestão sustentável.

Ao levantar publicamente a possibilidade de evacuar uma capital de 14 milhões de habitantes, Pezeshkian pode ter produzido o efeito mais imediato: convencer o país de que negar a gravidade da situação já não é possível.

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