Analistas apontam BRICS como alternativa aos EUA, cuja liderança global está sob desconfiança

Interesse crescente em ingressar no bloco mostra que cada vez menos os países estão dispostos a se curvar às normas ocidentais ao firmarem parcerias

Na semana passada, os chanceleres de BrasilRússiaÍndiaChina e África do Sul lideraram na Cidade do Cabo uma reunião do BRICS. Um assunto que dominou o encontro foi a possível adesão de novos países, com destaque para Arábia SauditaIrã e Emirados Árabes Unidos. Mais que um negócio de ocasião, o interesse dessas nações em ingressar no bloco econômico é apontado por analistas ouvidos pela revista Newsweek como sinal de que a liderança global exercida pelos EUA está enfraquecida, conforme o bloco encabeçado por Moscou e Beijing ganha força.

De acordo com Chris Devonshire-Ellis, presidente da empresa Dezan Shira & Associates, que se dedica a fazer negócios na Ásia, o BRICS é o principal expoente das atuais transformações na ordem internacional. “Os principais impulsionadores têm a ver com uma crença geral de que os Estados Unidos se tornaram não confiáveis ​​e autoritários em sua política externa”, disse ele.

O analista usa exemplos práticos para ilustrar o posicionamento. Ao justificar a insegurança internacional em relação aos EUA, cita o recente impasse sobre o aumento do teto da dívida norte-americana. O problema continua sem solução definitiva, tendo sido apenas adiado até 2025 graças a uma lei bipartidária que suspendeu o limite por dois anos.

Bandeiras dos membros do BRICS em Fortaleza, novembro de 2019 (Foto: Agência Brasil/Marcelo Camargo)

Devonshire-Ellis diz também que os norte-americanos são vistos hoje como “arrogantes”, pois “usam mecanismos internacionais para punir países com os quais não concordam e parecem usar o G7 como uma gangue econômica para apoiar e justificar o que fazem em outros lugares.” Não cita nominalmente a Rússia, sancionada devido à agressão à Ucrânia, mas o caso claramente se enquadra no modelo.

“Outros países estão começando a se preocupar com esse tipo de comportamento: níveis de dívida insustentáveis ​​e a imposição de uma ‘ordem baseada em regras’ e uma economia global que só parece servir aos EUA e seus aliados imediatos, às custas de todos os outros”, disse ele. “Vários líderes globais de África, América Latina, Ásia Central e Oriente Médio, bem como China e Rússia, pararam de acreditar nos Estados Unidos como um líder global responsável.”

Com os EUA sob desconfiança, o BRICS surge como uma alternativa lógica de parceria para economias em desenvolvimento, vez que conta com as outras duas superpotências globais, China e Rússia. Tanto que Anil Sooklal, embaixador da África do Sul no BRIC, disse durante a recente reunião que cerca de 20 países manifestaram interesse em ingressar no bloco.

O próprio Sooklal, em entrevista à mesma Newsweek, endossou a análise de Devonshire-Ellis. “Vemos uma erosão da arquitetura multilateral global. Medidas unilaterais, sanções unilaterais se tornando a norma do dia, uma arquitetura global desigual e países querendo ter mais voz em termos de como a nova ordem global em evolução se desenvolve.”

Irina Yarygina, chefe do Departamento de Economia e Negócios Bancários do Instituto de Relações Exteriores de Moscou (MGIMO, na sigla em russo), segue pelo mesmo caminho. Segundo ela, a vantagem de pertencer ao BRICS é que os “países-membros não buscam dominar, mas estão interessados ​​em relações construtivas, garantindo bem-estar seguro.”

Um primeiro movimento prático de expansão do BRICS veio com a inclusão de Bangladesh, Egito e Emirados Árabes Unidos no Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) do bloco.

Cobus van Staden, pesquisador sênior do Instituto Sul-Africano de Assuntos Internacionais, diz que essa situação também sinaliza a intenção dos países em desenvolvimento de manter certa autonomia. “Para países como Irã e Arábia Saudita, o NDB representa uma fonte potencial de financiamento e influência fora dos fóruns dominados pelas normas ocidentais e diferentes formas de condicionalidade ligadas ao financiamento de instituições como o Banco Mundial.”

Mundo multipolar

Embora a situação em tela sugira que o mundo atual é bipolarizado, com um bloco liderado pelos EUA e outro encabeçado por China e Rússia, van Staden diz que essa visão se restringe ao Ocidente. E justifica seu argumento com base em uma pesquisa publicada pelo Conselho Europeu de Relações Exteriores em fevereiro e focada na guerra da Ucrânia.

Os entrevistados em nove países da União Europeia (UE), mais EUA e Reino Unido, mostraram propensão em dizer que o conflito produziria um mundo dividido entre dois blocos, sob as lideranças de Beijing e Washington. Já os entrevistados de quatro países não ocidentais apontaram um distribuição difusa do poder, com vários países em destaque.

Irina Yarygina pende para essa segunda vertente. “É importante que todos reconheçam a multipolaridade do mundo como um novo processo de globalização e se esforcem por compromissos no âmbito da criação de um futuro melhor para a humanidade.”

Diante desse cenário, van Staden entende que é um erro da política externa norte-americana tentar forçar seus parceiros a escolher entre um lado ou outro. “Colocar muita pressão do tipo ‘nós ou eles’ sobre esses países gera o risco de eles se inclinarem mais conclusivamente para a China”, afirma. “Entre outras razões, porque na China estão muitos de seus principais parceiros comerciais e financeiros.”

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