Membros do BRICS projetam expansão do bloco e falam em ‘reequilibrar’ a ordem mundial

A possível adesão de três das nações mais ricas em petróleo no mundo surge desde já como um desafio para os EUA e seus aliados

A reunião desta semana do BRICS, bloco econômico formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, evidenciou o distanciamento crescente entre seus membros e o Ocidente e fortaleceu a posição do bloco como contraponto ao G7, este composto pelas democracias mais industrializadas do mundo.

O evento, realizado na Cidade do Cabo, serviu para debater o acréscimo de novas nações à formação original, embora nenhuma decisão tenha sido anunciada. E teve declarações fortes de ministros das Relações Exteriores presentes, que usaram expressões como “multipolaridade” e “reequilíbrio” da ordem mundial para manifestar o desejo de descentralizar a tomada de decisões global.

“Nossa reunião deve enviar uma forte mensagem de que o mundo é multipolar, que está se reequilibrando e que os velhos métodos não podem lidar com novas situações”, disse o ministro das Relações Exteriores da Índia, Subrahmanyam Jaishankar, em discurso de abertura reproduzido pela rede Deutsche Welle (DW). 

Jaishankar foi mais explícito em outra declaração, esta citada pela rede BBC. “No centro dos problemas que enfrentamos está a concentração econômica que deixa muitas nações à mercê de poucas”, disse ele, que acrescentou: “Somos um símbolo de mudança e devemos agir de acordo.”

Ministros das Relações Exteriores de China, Brasil, África do Sul, Rússia e Índia em reunião do BRICS (Foto: twitter.com/mfa_russia)

O representante brasileiro, ministro Mauro Vieira, foi menos agressivo, classificando o bloco como um “mecanismo indispensável para a construção de uma ordem mundial multipolar que reflita os dispositivos e as necessidades dos países em desenvolvimento.”

Já o russo Sergei Lavrov fez coro com Jaishankar e pediu o estabelecimento de uma ordem global “mais justa”, segundo a agência Associated Press (AP). Ele aproveitou o palanque para contestar as sanções ocidentais impostas à Rússia em virtude da guerra, chamando a pressão sobre seu país de “chantagem financeira”.

“No contexto das ações do Ocidente, nossos países devem buscar ativamente respostas conjuntas universais para os desafios de nosso tempo”, declarou o ministro das Relações Exteriores da Rússia.

Sobraram críticas até para a ONU (Organização das Nações Unidas), cuja formatação do Conselho de Segurança é considerada ultrapassada pelo BRICS. “Hoje, podemos ver que [o Conselho de Segurança] está falhando”, disse a ministra das Relações Exteriores da África do Sul, Naledi Pandor. “Portanto, é absolutamente imperativo que o CS da ONU seja reformado.”

Guerra da Ucrânia

Durante o evento, os participantes não conseguiram evitar o foco na guerra da Ucrânia e nas denúncias de crimes de guerra contra a Rússia. Nesse caso, o principal alvo foi a África do Sul, sede da reunião e protagonista de algumas polêmicas pelo fato de não ter se posicionado oficialmente contra a agressão russa.

Um manifestante local chegou a dizer que achava difícil ver autoridades sul-africanas “apertando a mão de uma pessoa que faz parte desses crimes de guerra sistêmicos contra crianças ucranianas”, referindo-se à deportação e transferência ilegais de crianças de áreas da Ucrânia ocupadas para a Rússia. Tal denúncia levou o Tribunal Penal Internacional (TPI) a emitir em março um mandado de prisão contra Vladimir Putin.

A ordem da corte criou uma situação delicada para a África do Sul, que vem debatendo uma mudança em sua legislação a fim de blindar o líder russo. Por lei, os sul-africanos, membros do TPI, teriam a obrigação de prender Putin caso ele entrasse em seu território. A fim de não se comprometer, o governo debate uma alteração legal que lhe daria a autonomia para decidir quem deve ou não ser detido com base em mandados expedidos internacionalmente.

A chefe da diplomacia sul-africana negou que Putin tenha sido convidado para o evento desta semana, como se especulava. Não afirmou, porém, se um convite foi feito com vistas à principal cúpula do bloco, agendada para agosto em Joanesburgo.

“A diplomacia não acontece na frente de câmeras e microfones, então não vou revelar quais deliberações estamos tendo”, disse Pandor.

Como se a visão ocidental a respeito da África do Sul já não fosse desfavorável o bastante, Anil Sooklal, embaixador do país no BRICS, deu novos argumentos a quem acusa a nação de se alinhar a Moscou. Ele questionou o fornecimento de armas pelas nações ocidentais à Ucrânia, dizendo que “qualquer esforço que alimente o conflito não resolve o problema.”

Sooklal ainda criticou as sanções ocidentais. “Vemos uma erosão da arquitetura multilateral global. Medidas unilaterais, sanções unilaterais se tornando a norma do dia, uma arquitetura global desigual e países querendo ter mais voz em termos de como a nova ordem global em evolução se desenvolve”, disse ele, segundo a revista Newsweek.

Novos membros

Embora a guerra tenha dominado o debate, o objetivo dos cinco membros do BRICS com a reunião foi mostrar ao mundo que a entidade está valorizada. Segundo Sooklal, cerca de 20 países pediram “formal ou informalmente” para ingressar no bloco. Entre eles Arábia Saudita, Irã e Emirados Árabes Unidos, que fizeram solicitações formais.

Nenhuma decisão nesse sentido foi tomada na reunião, deixando o debate para a cúpula de agosto. De toda forma, a possibilidade de que três das nações mais ricas em petróleo no mundo se posicionem economicamente ao lado de China e Rússia é desde já um desafio para os EUA e seus aliados ocidentais, segundo analistas ouvidos pela AP.

“Estamos felizes em ver que mais e mais países expressaram sua vontade de se juntar a nós na família BRICS”, disse o vice-ministro chinês das Relações Exteriores, Ma Zhaoxu. “A China receberá com satisfação o convite desses países para ingressar no BRICS e esperamos que mais países se juntem à nossa grande família.”

Na visão de Mohammed Saqib, secretário-geral do Conselho Econômico e Cultural Índia-China, que falou à Newsweek, o objetivo do BRICS é a “busca pelo multilateralismo e a quebra da hegemonia do Ocidente”. É isso, diz ele, que tem levado cada vez mais países a solicitarem sua inclusão no bloco.

Manjari Chatterjee Miller, membro sênior do think tank Conselho de Relações Exteriores, vê o objetivo mais acessível conforme cresce o numero de membros do bloco. “Se os BRICS votassem em agosto para adicionar novos membros e expandir, por um lado, isso aumentaria a influência e a visibilidade da instituição como uma alternativa às instituições lideradas pelo Ocidente”, declarou. “Também pode falar sobre as ambições da China e da Índia de liderar o sul global.”

Soklal, entretanto, mostra mais diplomacia nesse ponto. E sugere que a bipolarização atual, com blocos antagônicos liderados por EUA e China, não é positiva. “Acho que precisamos trabalhar como um coletivo. Não devemos ver as várias configurações na frente global trabalhando em oposição umas às outras. Acho que todos nós devemos ter uma agenda comum para criar um mundo mais inclusivo, mais equitativo, e um mundo melhor para todos os nossos povos.”

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