A junta militar que governa Burkina Faso tem usado uma lei que prevê o recrutamento de cidadãos para as Forças Armadas como ferramenta de perseguição contra juízes e magistrados que atuam em causas indesejadas pelo regime. A denúncia foi feita pela ONG Human Rights Watch (HRW).
Neste mês de agosto, ao menos sete juízes e promotores foram notificados por telefone de que haviam sido recrutados para participar de operações de segurança do governo contra grupos armados islâmicos. Seis deles se apresentaram em uma base militar em Uagadugu, a capital burquinense, em resposta às notificações.
Os militares têm na mira indivíduos que atuam em grandes causas envolvendo apoiadores e membros do governo. Um dos juízes recrutados, por exemplo, atuou no caso de um apoiador da junta implicado em atividades ilegais de mineração que levaram a um deslizamento de terra que matou cerca de 60 pessoas.
“A junta de Burkina Faso não está enganando ninguém ao forçar promotores que estão trazendo processos legais contra apoiadores da junta ao serviço militar”, disse Ilaria Allegrozzi, pesquisadora sênior do Sahel na HRW. “As autoridades devem revogar imediatamente esses avisos falsos de recrutamento.”
A prática não atinge apenas as autoridades judiciais. Inúmeros dissidentes têm sido convocados para servir às Forças Armadas, entre eles jornalistas que relataram casos de corrupção no governo, analistas que se manifestaram publicamente contra a violência estatal e políticos de partidos de oposição.
“A Human Rights Watch documentou extensivamente o uso do recrutamento ilegal para silenciar a dissidência, bem como os sequestros e desaparecimentos forçados de dezenas de críticos e dissidentes do governo desde o final de 2023″, diz a ONG.
Luta contra o terrorismo
A lei que vem sendo usada contra os membros do Judiciário foi estabelecida em abril com o objetivo de fortalecer a luta contra a insurgência islâmica no país, que convive desde 2015 com a violência de grupos terroristas e passou por dois golpes de Estado seguidos em 2022.
Houve um período de relativa calmaria em Burkina Faso, mas a violência aumentou após uma tomada do poder pela junta militar em janeiro de 2022. Oficiais descontentes derrubaram o presidente eleito Roch Marc Christian Kabore, que enfrentava protestos pela forma como combatia a sangrenta insurgência jihadista. Em setembro daquele ano, um segundo golpe levou a nova mudança no poder, com o capitão Ibrahim Traoré assumindo o governo central.
A instabilidade só faz crescer o problema da insurgência. Para especialistas, os extremistas aproveitam a divisão pública no país, situação que se tornou ainda mais delicada após a França acatar um pedido do governo central burquinense e retirar suas tropas da nação africana. Paris mantinha até 400 membros de suas forças especiais por lá, parte da Operação Barkhane de combate ao extremismo no Sahel.